domingo, 2 de agosto de 2009

CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO...

Tenho um objetivo e o persigo por esse caminho cheio de gente esquisita a começar por mim. O chão é quadriculado, ondulado e sujo. Estranhas aparições vão se sucedendo.

Membros de uma vetusta confraria praticam um jogo com bola que consiste em tentar fazê-la tocar o chão do campo adversário. Também conhecido por vôlei. Mas aqui tudo é feito em câmera muuito leenta. Sacam... A bola cai no lado de lá... Eles aandam pra pegar a bola... Abaaixam pra pegar a bola... Pegam. Camiinham pra dar o saque... Conversam entre si... Checam as condições... Sacam... A bola cai no lado de lá... Eles aandam pra pegar a bola... Abaaixam pra pegar a bola... Pegam.
Camiinham pra dar o... Chega.
Assim eu acabo perdendo o ritmo. E o ritmo é tudo.

Diversas senhoras aparentando ser de boas famílias, se entregam a um estranho ritual de uma seita que, acredito, deve propor uma inusitada forma de energização lombar, pois todas as ditas senhoras, incentivadas por um guru mulato, magro e sonolento, estão de quatro na areia com os respectivos bumbuns empinados em direção ao sol nascente.
O tempo é cruel: 30 ou 40 anos para trás, se estas mesmas coitadinhas resolvessem ficar nessa mesma posição, a praia parava, juntava gente, vinha fotógrafo, polícia, o diabo.
Mas, com a plástica que apresentam hoje, o melhor é desviar, rápido, o olhar. Ainda não tomei café e não quero perder o apetite.
Nem o ritmo. O ritmo é fundamental.

Minha missão primária é alcançar o Posto 5, bater pique e retornar à base em 50 minutos.
A secundária, mas não menos importante, é ter na mente a idéia formada, límpida e indiscutível de que este martírio é agradável, bom pra saúde e, como sempre, é o primeiro de uma série sem data pra terminar.
Concentração.
O que tenho para fazer hoje? Que dia é hoje?
O tênis está apertado. Parada pra arrumar.
Mais rápido agora. Recuperar o ritmo.

Respirar pelo nariz. Mas... Como? Os fedores se sucedem: cocô, xixi, cc, cânhamo... Cânhamo? (Eufemismo besta porque o cheiro é de uma boa maconha mesmo.)
É a galerinha que dorme na praia. Esses nobres representantes de um dos segmentos do carioca malemolente e marginal, têm residência ali e, para quem está acordando, deitado no colo da gatinha, embaixo das frondosas árvores da princesinha do mar, nada mais agradável do que um tranqüilo baseado para o início de mais um dia.

Nesse horário obsceno é possível assistir um desfile onde todas as opções de como poderemos estar daqui a alguns anos nos são espelhadas. Pode ser muito triste e pode ser pouco triste. Mas, triste. Desconfio que todos pensam do mesmo jeito e estão aqui para comprovar que, sempre, existe alguém mais feio e mal acabado do que a gente.

Só rezo a Deus pra não ficar velho-com-prega-presa.
Explico: são aqueles velhos que andam com passinhos muito curtos e rápidos.
Parece que as pregas grudaram e eles não conseguem caminhar a passos largos.
Velhos-com-prega-presa-que-andam só perdem para os velhos-com-prega-presa-que-correm. Estes, os mais engraçados, lembram também aqueles passarinhos que ficam bicando comida na areia e fugindo do mar.

Muitas pessoas passam falando sozinhas e, importante, respondendo. A mim, antes de pena, provocam inveja e uma enorme curiosidade sobre o teor de tão animado papo.

Outras ostentam olhares mais perdidos que os redatores de Lost e usam fones de ouvido que devem perpetrar mensagens únicas e profundas ou, tomara, apenas um bom samba.

Narinas infladas, queixos erguidos e olhares fixos na linha do horizonte denunciam angustiadas senhorinhas vivendo a plenitude de suas obsessões estético-corporais, buscando, patéticas, reaver os 19 anos que, infelizmente, há muito ficaram para trás e em nenhuma hipótese irão voltar.
Tadinhas.

Suando e me sentindo irritantemente bem disposto, retorno de frente para o sol. Que ainda está baixo, bem baixo. O risco aumenta pois as aparições agora, em função da claridade nos olhos, são repentinas. Isso pode ser perigoso.
Para confirmar meus temores, uma enorme urna funerária da era pré-colombiana se desenha à minha frente. Uma sombra rápida revela um ser humano do sexo feminino, idade e peso estimados entre 85 e 115 anos/quilos, trajando sumários panos que deveriam cobrir suas partes mais íntimas. Cujas agora se apresentam em cascatas. Moles e balançantes.

Passo rápido, sprint final. Venho mantendo média de 4 minutos entre cada relógio do calçadão. Ritmo. O quiosque, derramando cocos subnutridos na calçada, acolhe salvados da noite e iniciados da GCPS (Grã-Cruz das Pessoas Saudáveis). Em tensa harmonia.

Alongando no elevador (tem que alongar antes e depois da tortura, quer dizer, do exercício), começo a salivar antevendo os inenarráveis prazeres que me serão proporcionados pelo cigarro após a coca-cola. E a rir da expressão de desânimo que ela certamente vai fazer.

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