quinta-feira, 20 de agosto de 2009

CACÁ

-Sabia que berinjela em inglês é eggplant? Vê se pode, ovo-planta, planta de ovo, sei lá, esses americanos são doidos, né?

Alzirinha (63 anos, 43 quilos de magreza seca como sua vida) mantinha um olhar meio perdido enquanto Dona Elza (65 anos, 88 quilos de veneno concentrado) se esforçava pra engatar a fofoca matinal. Mas Alzirinha estava alheia. O hortifruti, quase vazio, era ambiente perfeito para a primeira destilada do dia. Dona Elza em cólicas e Alzirinha se fazendo de boba.
Entre eggplants, rúculas, alhos e cebolas, Dona Elza não se conteve:
-Alzirinha, quê-qui-tá-con-te-cen-do?

A ansiedade era explicável. Alzirinha tinha visão e audição praticamente total da sala da casa dos Albuquerque, família tradicional do bairro e rica matéria-prima de fatos a serem comentados e saboreados pelas víboras de plantão.

Como na noite anterior o pau tinha comido na casa de noca, quer dizer, dos Albuquerque, Dona Elza estava com as glândulas estufadas. Morava na diagonal oposta e só tinha percebido a movimentação e os agudos de Camilla, caçula dos Albuquerque.
Porcaria de distância, não entendeu nada, dormiu mal, ansiosa pela hora de encontrar Alzirinha. E justo agora a peste se fazia de difícil. Mas, como sempre, acabou soltando.

-É coisa dessa internet.
-In-ter-net?
-É, parece que a Cacá aprontou alguma nessa internet. Doutor Roberto gritou que ia tirar o computador da Cacá. E ela berrou que não estava nem aí! Acho que ela está fazendo a tal de transa virtual.
-Trans-ô-quê?!?!

Marieta Lopes de Albuquerque, com a classe das bem nascidas, flutuou pelo hortifruti, deu bons dias às duas, comprou suas coisas e saiu tranqüila. Os acontecimentos da noite anterior foram, para ela, apenas mais um capítulo dessa adorável, porém cansativa, chatice denominada criação de filhos.

Camilla, 18 anos, inteligente e talentosa, apresentava, ainda, diversos espasmos adolescentes (ocorrências que assolam algumas mulheres de idades até mais avançadas, como todos sabemos).
A talentosinha era ligada em música, cinema, computador, terapias alternativas, etc, etc. Vai daí que, num desses inomináveis grupos de discussão da internet, ela conheceu o Wellington. Conversa vai, e-mail vem, resolveram se encontrar. E acabou pintando uma grande paixão. Na noite anterior Camilla havia comunicado aos pais sua situação emocional e, em mais um arroubo adolescente, aventado a possibilidade de morar com o Wellington em Buenos Aires.

-Morar em Buenos Aires? Vivendo de quê?
-O Well está acertando um contrato para tocar no restaurante do Sheraton.
-Tocar o quê?
-Teclado, ué! Ele é tecladista.
-Um músico... Acorda, Camilla Albuquerque! Onde foi que você conheceu esse vagabundo?
-Vocês estão me desrespeitando! O Well não é vagabundo, é um músico sensível, estou apaixonada por ele e vou viver com ele e pronto!
-Aposto que foi essa droga de internet!
-Pois foi sim senhor!

E por aí seguiu.
Marieta não se preocupou muito. Certamente era mais uma das loucurinhas da Camilla. Chato ter servido de alimento para essas serpentes. Ah, deixa estar, essa gentinha não tem mais o que fazer. Por falar em coisas pra fazer, meu Deus, estou atrasada para a manicure, o Roberto tinha que inventar esse jantar logo hoje...

Só que a coisa estava séria. Decidida a ser a grande mulher por trás daquele gênio musical sensível, Cacá já estava até freqüentando um curso intensivo de espanhol.
O Wellington dava aulas particulares de segunda a quarta e se defendia num barzinho cult de quinta a sábado. Camilla Albuquerque ficava lá o tempo todo ostentando a pose tradicional das namoradas-de-músicos: olhares carinhosos para o amado e fuzilantes para as “meiguinhas” que ousavam se aproximar demais.

-Passei pela Cacá hoje de manhã. Tá alegrinha, né?
-Olha Elza, não sei não, alguma, essa menina tá aprontando. Aquele rostinho não me engana. E a Marieta, você tem visto?
-Ontem. Está como se nada tivesse acontecido, mas ela nós conhecemos, né? É macaca velha... Bom, deixeuir, tô com um bolinho no forno. Quer provar mais tarde?

O contrato do Sheraton de Buenos Aires não saiu (lógico) mas o Wellington arrumou vaga numa banda especializada em bailes de debutantes, de clubes, de colunistas sociais do interior, o escambau.
-Tchau mãe, tô indo pra Seropédica.
-Serô-quê?
-Seropédica, uma cidade aqui perto, o Well vai tocar lá.
-Camilla Albuquerque, que história é essa?
-Ô mamãe, é a banda, Namorados do Ritmo, vamos fazer um baile.
-Vamos?
-É, eu sou promôuter da banda, descolei esse baile, domingo eu tô de volta.

Marieta, macaca velha e astuta, foi com jeitinho.
-Minha filha, eu e seu pai queremos conhecer o Well. Porque vocês não tomam um lanchinho aqui em casa antes de ir?
-Legal mãnhê, que bom que vocês estão me entendendo.

-Alzirinha dê-Deus! Nem te conto, Cacá embarcou ontem pros Estados Unidos!
A ‘do Carmo me contou tudo: aquela tal de transa virtual era sem-vergonhice mesmo!
O imundo é músico, viaja pra lá e pra cá com uma orquestra de degenerados e a Camilla tava indo junto.
-Não brinca!
-Pois é, a essa altura ela já deve estar chegando no Oregon!
-Mas que coisa... E o canalha?
-Ah, nem tchum... É músico, sabe como é, né? O nome dele é Washington, acho. E ainda por cima, preto.

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