terça-feira, 28 de julho de 2009

CRÔNICAS TAILANDESAS - 1

Tão pensando o que? O “Haja” é internacional!
Como prova a colaboração do nosso ilustre Paulo Emílio de Medeiros cujo se propõe, ainda que anarquicamente, a mandar suas impressões do outro lado desse mundinho besta.

TAILÂNDIA: SURPRESAS E ENCANTOS
Paulo Emílio de Medeiros

As linhas a seguir foram extraídas de texto escrito em 1925 por alta personalidade da família real da Tailândia, quando o país ainda se chamava Sião. O documento é bem escrito e leitura interessante sobre faceta do temperamento do tailandês de então. Dizia o príncipe:

Todo funcionário público siamês tem, em relação à noção de planejamento, uma de três atitudes – ou todas as três:
- desencorajamento, porque acha que será impossível executar o plano, em razão de dificuldades financeiras, burocráticas ou outras;
- ridicularização, porque, para o siamês médio, é ridículo planejar alguma coisa antes do início do trabalho. A previdência não é uma virtude siamesa;
- rejeição, porque o plano não foi feito por ele, e isto é razão suficiente para rejeitá-lo, não importando se é um bom ou mau plano.

É claro que, com a modernização do país, muita coisa mudou. Mas alguns traços dessa descrição permanecem válidos. O texto citado é apenas uma peculiaridade, dentre tantas que fazem a vida na Tailândia um repertório de surpresas e encantos. O dia-a-dia incorpora com freqüência aspectos que seriam curiosos ou estranhos no Brasil, mas que, depois de algum tempo de vida na Tailândia, são encarados pelo estrangeiro como normais.

Há algo na atmosfera do país que torna tudo corriqueiro. Não é à toa que a frase nacional é “mai pen rai”, que significa “não tem importância” e é dita pelo menos uma vez por dia, diante de acontecimentos que, no Brasil, fariam pessoas ter um ataque histérico. Como, por exemplo, encontrar um caranguejo vivo passeando pela sua sala de jantar.
É, qual o problema? Foi um caranguejo, e não uma bomba atômica. Na verdade, foram dois sacos plásticos grandes cheios de caranguejos vivos, trazidos de presente dentro de uma mala, por uma tailandesa que veio do sul da Tailândia, de avião. Não é preciso nenhum Hercule Poirot para concluir que o coitado se desgarrou de seus irmãos durante uma separação, feita na sala, dos almoços em potencial, para enviar uma parte a alguns conhecidos. Deve ter ficado algumas horas desapercebido em um canto (talvez debaixo da mesa). Como resolver a situação? Ora, até que apareça alguém que saiba lidar com o assunto, coloque um balde de plástico invertido sobre o caranguejo e vá dormir, embalado pelo tec-tec das pinças do bichinho contra a parede do balde. Não há nem necessidade de dizer mai pen rai.

O pouco usual também pode ocorrer em algo tão simples quanto uma ida ao restaurante. Por exemplo, o estrangeiro foi a um determinado restaurante de comida tailandesa em Bangkok e, ao sair, se depara com um cômodo que não fica claro se é uma loja de souvenirs ou um aposento privado dos donos do restaurante. Há muitas prateleiras com objetos, o que parece reforçar a alternativa loja. Mas a mulher que se encontra ali, vestida em um estilo vagamente chinês, não tenta lhe vender nada e olha para você com um olhar enigmático, que leva imediatamente a imaginação, alimentada por tantos filmes, a pensar em uma consumidora de ópio...
Está bem, talvez eu tenha ido longe demais - mas coelhos de pelúcia na vitrine, no meio de quinquilharias orientais, também é demais!

Não vou nem falar de um restaurante que se chama Cabbages and Condoms (Repolhos e Camisinhas). Ah, bom, já que comecei, é melhor continuar. Foi criação de um ex-Ministro da Tailândia, que se destacou por campanhas educativas a favor do uso de camisinhas; tanto, que o nome dele, Mechai, passou a ser sinônimo de camisinha. O nome do restaurante busca realçar a idéia de que comprar uma camisinha deve ser algo tão simples e descomplicado quanto comprar repolho. (É claro que há países onde comprar uma camisinha é mais fácil que comprar um repolho...) Na frente do restaurante, há um manequim de Papai Noel, cuja roupa é inteiramente feita de camisinhas vermelhas e brancas. Dentro, a decoração das mesas é feita com camisinhas coloridas, sob um tampo de vidro. E, junto com o café, em vez de oferecerem, como cortesia, um chocolate, trazem uma camisinha. (Confesso que, na minha idade, preferiria o chocolate... Deixa pra lá: mai pen rai.)

Ao viver na Tailândia, a gente aos poucos vai se descobrindo mais adaptável e menos surpreendido. Ou, se surpreendido, dali a pouco engata um mai pen rai: mais cedo ou mais tarde as coisas se ajeitarão, não vale a pena esquentar a cabeça. No meio dos engarrafamentos de trânsito em Bangkok, praticamente não se escuta uma buzina.
Por trás desses comportamentos, está, além da sabedoria do povo tailandês, certamente a presença do budismo, com sua doutrina que prega o desapego e ensina a evitar as emoções exacerbadas. Também a aspectos mais materiais da cultura tailandesa o estrangeiro vai se adaptando. Como ao arroz do tipo “unidos venceremos”, feito sem qualquer tempero, pois a comida - deliciosa - já tem tempero suficiente.

Mas o emprego do mai pen rai pelo estrangeiro é talvez o indicador mais seguro de que uma mudança importante - e bem-vinda - aconteceu.

P.S.: Uma boa leitura, que data da década de 1950 mas ainda permanece atual, é um livro intitulado Mai Pen Rai Means Never Mind (An American Housewife's Honest Love Affair with the Irrepressible People of Thailand), de autoria de uma americana chamada Carol Hollinger. Encontra-se à venda, usado, na Amazon (e zerinho na Tailândia).

2 comentários:

  1. O nosso mundão é surpreendente. Curiosidades e muita saberoria em um só lugar. Que vontade de conhecer e apreciar essa cultura tão peculiar. Sensacional as informações. Mariana Amaral.

    ResponderExcluir
  2. Texto bacana, Paulo Emílio! É interessante receber informações de um país de cultura tão distinta e, para alguns, até exótica, através de alguém que vive o dia-a-dia local. Levando para a esfera política, o mai pen rai daí seria o equivalente ao brasileiríssimo "vai dar pizza". Já no nosso trânsito, mesmo quando mai pen rai, o dito animal ao volante gruda na buzina e fica doido pra sair na porrada.
    Aguardamos seu próximo post.

    ResponderExcluir