DEMOCRACIA NÃO É SÓ ELEIÇÃO
Paulo Emilio de
Medeiros
Três países: um no
Extremo Oriente, um na confluência entre o Oriente e o Ocidente, e o terceiro
na América do Sul. O que têm eles em comum neste momento?
Falo da Tailândia, da
Turquia e do Brasil.
Nos três países, os
governos, eleitos democraticamente, estão há anos no poder: desde 2001 na
Tailândia (exceto em um intervalo de dois anos e meio, de 2008 a 2011); e desde
2003 na Turquia e no Brasil. Os três governos tiveram repetidas vitórias
eleitorais: quatro na Tailândia (2001, 2005, 2007 e 2011), três na Turquia
(2002, 2007 e 2011) e três no Brasil (2002, 2006 e 2010).
Os três governos adotaram
medidas que beneficiaram as camadas de menor poder aquisitivo de seus países.
Os governos da Turquia e
da Tailândia são vistos como arrogantes por parte expressiva das populações que
governam, bem como insensíveis às inquietações dos que não os elegeram. No
Brasil, a presidente também tem sido vista como arrogante, embora a imprensa
geralmente se cale a respeito, apenas com uma ou outra menção ao caráter
“altaneiro” da governante.
O calar da mídia ocorreu
também na Turquia, onde, no primeiro dia em que a manifestação no Parque Gezi
foi reprimida com violência pela polícia, canal de televisão passava filme
sobre pinguins.
Nestes últimos dias, os
três governos estão enfrentando fortes manifestações populares de protesto.
Mais que protestos contra políticas e decisões específicas (que existem), as
demonstrações atuais parecem ter como pano de fundo uma espraiada insatisfação
contra o atual estado de coisas em cada país - não obstante o progresso
econômico e social obtido na última década em cada um deles.
Outro ponto de semelhança
entre o que ocorre nos três países é que os manifestantes são na maioria da
classe média.
Na Tailândia, protestam,
entre outras coisas, contra o fracasso de um esquema mirabolante de garantia
dos preços do arroz, que rendeu lucros consideráveis para grandes
atravessadores com laços com o governo, e benefícios medíocres para os
produtores. O esquema provocou igualmente queda das exportações tailandesas do
produto. A gota d’água foi a divulgação de que os estoques de arroz estavam se
estragando e que arroz estragado estava sendo vendido aos consumidores
tailandeses.
Na Turquia, os
manifestantes defendiam, inicialmente, a preservação de um parque em área valorizada
de Istambul, que o governo queria ceder para a construção de um shopping
center. Contribuíram para a reação indignada anos de grandes obras públicas
realizadas sem qualquer consulta popular, concedidas a empresários relacionados
com o governo, inclusive a uma empresa de propriedade do genro do
primeiro-ministro.
No Brasil, os manifestantes
protestavam, no início, contra um aumento de 20 centavos no preço das passagens
de ônibus em São Paulo. Mas a indignação reprimida se alastrou, e o protesto
agora é, sobretudo, contra os abusos de governos que, apesar de vencerem
repetidas eleições, se mostram insensíveis ou incompetentes em questões de
grande importância para a população. Entre essas questões estão a falta de
segurança, os elevados impostos pagos pelos brasileiros e a má qualidade de
serviços prestados por agências do governo e por grandes empresas, em setores
como aeroportos e comunicações telefônicas, entre muitos outros.
Incomodam também a alma
do brasileiro os absurdamente grandes salários recebidos imerecidamente por
funcionários do Legislativo e do Judiciário; a atuação sem dignidade da maioria
dos parlamentares federais, estaduais e municipais em todo o país, desvinculada
de atenção ao bem público e ligada a interesses particulares de cada político;
os repetidos casos de corrupção envolvendo altas autoridades, e a impunidade
dos responsáveis; os grandes gastos públicos com obras para a Copa do Mundo de
2014 e as Olimpíadas de 2016, muitas das quais certamente se tornarão elefantes
brancos, inúteis, após os jogos.
Chama atenção a falta de
dignidade de quem entregou a soberania nacional à FIFA, modificando leis apenas
para seguir imposições da Federação Internacional de Futebol, e entre outras
coisas proibindo a venda de acarajé nas proximidades do estádio de Salvador,
mas permitindo, com exclusividade, a venda de produtos da McDonald’s.
Tailândia, Turquia e
Brasil terão eleições em 2015, 2015 e 2014, respectivamente. É possível que os
atuais governos sejam novamente vitoriosos, em razão da ausência de partidos de
oposição com credibilidade e apoio popular suficientes para triunfar.
De positivo há neste
momento a disposição e a coragem dos manifestantes.
Parabéns! Que consigam
também ter discernimento.
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