quarta-feira, 19 de junho de 2013

OLHANDO DE FORA

Nosso prezado Paulo Emilio, lá de longe, enxerga paralelos interessantes.

DEMOCRACIA NÃO É SÓ ELEIÇÃO

Paulo Emilio de Medeiros

Três países: um no Extremo Oriente, um na confluência entre o Oriente e o Ocidente, e o terceiro na América do Sul. O que têm eles em comum neste momento?

Falo da Tailândia, da Turquia e do Brasil.

Nos três países, os governos, eleitos democraticamente, estão há anos no poder: desde 2001 na Tailândia (exceto em um intervalo de dois anos e meio, de 2008 a 2011); e desde 2003 na Turquia e no Brasil. Os três governos tiveram repetidas vitórias eleitorais: quatro na Tailândia (2001, 2005, 2007 e 2011), três na Turquia (2002, 2007 e 2011) e três no Brasil (2002, 2006 e 2010).

Os três governos adotaram medidas que beneficiaram as camadas de menor poder aquisitivo de seus países.

Os governos da Turquia e da Tailândia são vistos como arrogantes por parte expressiva das populações que governam, bem como insensíveis às inquietações dos que não os elegeram. No Brasil, a presidente também tem sido vista como arrogante, embora a imprensa geralmente se cale a respeito, apenas com uma ou outra menção ao caráter “altaneiro” da governante.

O calar da mídia ocorreu também na Turquia, onde, no primeiro dia em que a manifestação no Parque Gezi foi reprimida com violência pela polícia, canal de televisão passava filme sobre pinguins.

Nestes últimos dias, os três governos estão enfrentando fortes manifestações populares de protesto. Mais que protestos contra políticas e decisões específicas (que existem), as demonstrações atuais parecem ter como pano de fundo uma espraiada insatisfação contra o atual estado de coisas em cada país - não obstante o progresso econômico e social obtido na última década em cada um deles.

Outro ponto de semelhança entre o que ocorre nos três países é que os manifestantes são na maioria da classe média.

Na Tailândia, protestam, entre outras coisas, contra o fracasso de um esquema mirabolante de garantia dos preços do arroz, que rendeu lucros consideráveis para grandes atravessadores com laços com o governo, e benefícios medíocres para os produtores. O esquema provocou igualmente queda das exportações tailandesas do produto. A gota d’água foi a divulgação de que os estoques de arroz estavam se estragando e que arroz estragado estava sendo vendido aos consumidores tailandeses.  

Na Turquia, os manifestantes defendiam, inicialmente, a preservação de um parque em área valorizada de Istambul, que o governo queria ceder para a construção de um shopping center. Contribuíram para a reação indignada anos de grandes obras públicas realizadas sem qualquer consulta popular, concedidas a empresários relacionados com o governo, inclusive a uma empresa de propriedade do genro do primeiro-ministro.

No Brasil, os manifestantes protestavam, no início, contra um aumento de 20 centavos no preço das passagens de ônibus em São Paulo. Mas a indignação reprimida se alastrou, e o protesto agora é, sobretudo, contra os abusos de governos que, apesar de vencerem repetidas eleições, se mostram insensíveis ou incompetentes em questões de grande importância para a população. Entre essas questões estão a falta de segurança, os elevados impostos pagos pelos brasileiros e a má qualidade de serviços prestados por agências do governo e por grandes empresas, em setores como aeroportos e comunicações telefônicas, entre muitos outros.  

Incomodam também a alma do brasileiro os absurdamente grandes salários recebidos imerecidamente por funcionários do Legislativo e do Judiciário; a atuação sem dignidade da maioria dos parlamentares federais, estaduais e municipais em todo o país, desvinculada de atenção ao bem público e ligada a interesses particulares de cada político; os repetidos casos de corrupção envolvendo altas autoridades, e a impunidade dos responsáveis; os grandes gastos públicos com obras para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, muitas das quais certamente se tornarão elefantes brancos, inúteis, após os jogos.

Chama atenção a falta de dignidade de quem entregou a soberania nacional à FIFA, modificando leis apenas para seguir imposições da Federação Internacional de Futebol, e entre outras coisas proibindo a venda de acarajé nas proximidades do estádio de Salvador, mas permitindo, com exclusividade, a venda de produtos da McDonald’s.

Tailândia, Turquia e Brasil terão eleições em 2015, 2015 e 2014, respectivamente. É possível que os atuais governos sejam novamente vitoriosos, em razão da ausência de partidos de oposição com credibilidade e apoio popular suficientes para triunfar.

De positivo há neste momento a disposição e a coragem dos manifestantes.
Parabéns! Que consigam também ter discernimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário