quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O DIA QUE O TELEVISOR QUEBROU


Fernando Coelho

Bom amigo internético e telefônico, Fernando Coelho é paulista nascido nos EUA, publicitário, cineasta, físico, executivo de marketing, empresário e, quando sobrar tempo, promete dar o ar de sua graça aqui no Haja. Assim sendo, aproveitemos!

Laços emocionais.
Segunda metade dos anos 90. Eu era um estranho profissional. Formado em cinema, mas tinha estudado física. Na verdade, o que eu realmente fazia, era aplicar minha formação humanista na divertida atividade de convencer os outros a comprarem aquilo que vendíamos. Eu era um vendedor glorificado. Como gerente de operações de venda, com uma equipe de 35 pessoas, nós liderávamos o mercado, dia após dia, distribuindo líquidos adoçados e embalados, alguns alcoólicos, de maneira a impedir que a concorrência fizesse o mesmo.

Trabalhava na Coca-Cola. Grande escola. Pouco glamour, muito ardor. Nossos relacionamentos - e é isso que sempre importa - ocorriam entre a equipe de vendas e os comerciantes nossos (nem sempre) aliados. Os consumidores estavam um grau de separação mais longe. Redefinimos a maneira de vender bebidas no Brasil para sempre, em um semestre (esse “causo” conto outro dia).

Daí mudou tudo. Meu passe no tumultuado mercado executivo de São Paulo, zanzou de lá para cá, me levando a um destino manifesto: Televisão. De maneira surpreendente e rápida, me encontrei diretor comercial da NET, na sua operação de São Paulo. Dessa vez tudo era diferente. Não bastava mais ser um executivo profissional. Agora era necessário ser um explorador. Nas florestas tropicais? Nos fundos do oceano? Muito mais intenso do que isso. Íamos a uma incursão às entranhas da natureza humana. Televisão é exatamente o que o nome diz. Tele, igual a distância, e visão, igual a enxergar. Ver-à-distância. Pronto! É isso!

Televisão é a experiência pessoal voyeurística definitiva. Você “vê” o espetáculo da humanidade de graça. “De graça” não significa que é sem ônus financeiro. Significa sim, que é sem ônus de responsabilidade. Está tudo ali, disponível, na caixinha brilhando. E, como “tudo” está ali, cada um edita como quer. Cada um se enxerga em um corta-corta de conteúdos, se enlaçando à melhor conveniência de suas crenças e percepções. Ou, ainda, demonizando o que não lhe convêm. Fascinante.

Começamos a trilhar um caminho novo, que, através das diferenças entre TV aberta e assinada, revelava nosso formato interior. TV aberta era como na Coca-Cola. Coloca conteúdo nas afiliadas, como se coloca refrigerante no mercadinho. Quem avaliava se isso era bom ou ruim era o anunciante. As únicas linhas de retorno do telespectador para as emissoras se davam pelo frio indicador IBOPE e pelos poucos e selecionados grupos qualitativos de pesquisa. Já TV por assinatura é diferente. Na TV por assinatura o cidadão paga mensalmente pelo acesso, criando um relacionamento constante. Uma união civil estável. Relacionamento é sempre o que importa. De repente nós entramos na dinâmica pessoal e familiar de milhares de paulistanos que nos telefonavam no SAC. Por nada, por tudo, às vezes certos, às vezes errados.

E veio o verão. Chuvas. Deus criou as árvores e a tempestade. Os homens colocaram cabos suspensos entre as árvores, carregando eletricidade, telefonia e TV. A fêmea mãe-natureza, em fúria, derrubava essas árvores sobre os cabos dos homens, punindo de forma irretratável os pecaminosos paulistanos. Sem cabo, pagavam a pena de ficar sem TV! Logo a TV! De todos os eletrodomésticos, a TV tem a reputação de ser o aparelho mais confiável. Ligou, acende. Agora, com o advento do cabo, nós tínhamos inventado o televisor que quebrava na chuva! Agora, o cônjuge da união civil estável, havia se tornado o maior inimigo. Havia desligado o único aparelho que mediava o humano consigo mesmo, através da oferta artificial de imagens, como se fosse um buffet a quilo de identidades para consumo pessoal. A chuva interrompia essa relação e nos isolava. Estava revelada a natureza do laço. Éramos íntimos.

Como casamentos, tínhamos ciclos de paixão, amor, tolerância e ruptura. Essa trilha exploratória foi se embrenhando capilarmente no tecido da nossa tribo. Iniciou um processo de mútuo enxergar, que acaba por iluminar os universos emocionais de cada um de nós.
No fim, somos só tudo isso. Laços emocionais.

Um comentário:

  1. Durante milhões de anos a natureza vem criando todas as maravilhas que nós os humanos, em alguns milhares de anos, estamos apressando em exterminar. Neste caso, no meu entender, é apenas uma tentativa da " evolução natural " em eliminar elementos nocivos à preservação da espécie.

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