Nossa praia é o boteco.
É aqui que relaxamos, encontramos os amigos e estabelecemos uma agradável convivência com a natureza (humana). É daqui que apreciamos a paisagem e procuramos adivinhar femininos detalhes que não são escancaradamente exibidos, mas sutilmente sugeridos. É aqui que exercemos nosso divino direito de falar bobagem, repetir piadas velhas, contar histórias, solucionar os problemas do planeta, rir muito, reclamar da vida, celebrar a vida, fofocar, elogiar, maldizer, relembrar, beber, beber e beber. E beber.
Um bom boteco é como uma boa praia com a vantagem de não depender das condições meteorológicas. Todo belorizontino que se preze tem uma lista de botecos que deverão ser honrados com sua presença de tempos em tempos. Quando nada, para verificar se ainda merecem figurar na lista.
É importante ter em mente que: boteco é um estabelecimento onde se bebe na companhia dos amigos e, por vezes, degusta-se alguma coisa salgada.
O boteco pode ser em pé, fechado, aberto, na calçada, num sobrado, numa garagem, numa varanda, enfim, são inúmeras possibilidades. Todas dependentes da temperatura da cerveja e da qualidade dos garçons e freqüentadores.
Como as praias, os botecos também têm fases e modas. Os que viram points são, na maioria das vezes, locais muito agradáveis que se tornam insuportáveis com a freqüência de seres execráveis que impossibilitam qualquer convivência civilizada. Como é possível ser feliz num local onde pós-yuppies manifestam enorme alegria fumando fálicos charutos e vestindo grifes em pleno sábado de manhã? E, é claro, eles estão lá para aparecer: falam alto desde cedo (falar alto no botequim só é de bom tom após a primeira dúzia de cervejas) e os assuntos são absolutamente impróprios. Mentiras profissionais e pessoais, todas emitidas sem o menor pudor, entremeadas por gargalhadas que mais parecem uivos angustiados de animais em cativeiro.
Os donos desses estabelecimentos costumam ficar muito felizes quando são citados nas (argh!) colunas sociais. Passado algum tempo começam a perceber que as coisas não são assim tão floridas. As chateações são várias, as reclamações são sem sentido, as solicitações são impensáveis (“Tem caipirinha de doce de leite com angustura?”), os penduras se acumulam e o pior: pendura de socialite não é pendura. É cano na certa. Eles se acham “formadores de opinião” e por isso estão acima desses detalhes bobos como pagar contas. Na verdade a única opinião que eles formam é que o boteco deve ser abandonado pelas pessoas de bem. Quando o dono descobre, já pode ser tarde. Começa então uma árdua batalha para reconquistar aqueles que são a verdadeira alma dos botecos e não temporárias aves de rapina. Batalha esta que nem sempre é vitoriosa e pode terminar com a venda do estabelecimento para alguém com mais conhecimento de causa.
Os autênticos freqüentadores de botecos são identificados por suas atitudes e conversas. Conforme a época do ano, a chegada dos membros da mesa pode ser saudada com um simples -“E aí, tudo bem?” ou por um caloroso abraço seguido por expressões de extremo carinho como -“Por onde você anda seu filha-da-puta? Saudades da tua mãe!” e por aí afora. A segunda situação é mais comum no final do ano, antes do carnaval, após a conquista de um campeonato importante e afins.
As boas e tradicionais conversas de botequim sempre percorrem um caminho mais ou menos trilhado. Começam bobinhas, contando casos da semana que passou, desfiando problemas ou alegrias do trabalho, da vida, etc, passam pelas piadas, podendo então, conforme a variação do teor alcoólico, enveredar para as grandes soluções humanitárias, para a alegria pura e simples ou para a baixaria total onde os mais escabrosos eventos sexuais são apreciados com a naturalidade de quem comenta a cor de uma gravata.
Normalmente, o melhor está reservado para o estado pré-falimentar. É aquele estado onde certamente as coisas ditas serão convenientemente esquecidas ou, na melhor das hipóteses, se guardarão numa névoa mental muito densa. Mas, algumas vezes, é possível recuperar pérolas de coerência e sabedoria tais como:
-Detesto amendoim. Por que toda mesa sempre tem que ter essa porcaria desse potinho de amendoim?
-Pela mesma razão que toda fazenda tem chiqueiro. É uma cagada geral, só dá trabalho, não dá lucro, mas tem porque tem que ter.
-Hmmm... E por que temos que por o encosto na vertical quando o avião vai aterrissar?
-Essa é mole. É pra não perder tempo no solo. Assim as arrumadeiras não precisam ficar colocando todos os encostos retinhos de novo. E como a grande maioria dos passageiros se borra de medo de avião, aceitam tudo. Se o comandante disser que todos devem enfiar o dedo no cu... Já pensou nas implicações sociais?
-Mas na decolagem também tem que ficar tudo retinho!
-É cascata, rapaz! Só pra justificar. Tô te falando, não existe razão lógica pra botar o encosto retinho! Fechar a mesinha ainda vai, o avião pode dar um tranco, a mesinha tá na linha da sua barriga, sei lá. Mas o encosto...
-Sabe que você pode ter razão?
-Claro que tenho. Vamos almoçar?
-Tá-Lô-Co!!! Almoço atrapáia o tontinho... Pede outra.
Tiago, o texto é muito, muito bom! Capirinha de doce de leite com angustura? Huuummm, deve ser gostoso! Adorei também o finalzinho: "Almoço atrapáia o tontinho..." Kkk...
ResponderExcluirGrande Tiago, amigo forevis... O texto não é bom: é ótimo. Bota ótimo nisso, véio!
ResponderExcluirVi-me, francamente, assentado, com vc na mesa, lógico, tomando uma , de leve, pro dia poder render. Guitarras e contrabaixos tbem presentes.
Pena não ser a realidade para todos nós.
Bjo na bunda ... e até segunda! Dudu Govélha, como gostava de dizer o saudoso Dimas Tadeu Bomtempo.
Adorei o texto....
ResponderExcluirQue bom, "meujovem".
ResponderExcluirEspalha pra ver se cola...
Abs,
Tiago.