terça-feira, 22 de setembro de 2009

CRÔNICAS TAILANDESAS - 9

ENVELOPES

Paulo Emilio de Medeiros

Depois de ter falado sobre morte na última crônica, fiquei pensando se não começa a se aproximar o momento de deixar morrer estas crônicas tailandesas.
Pra que, numa próxima "encarnação" literária, outra coisa possa surgir.

Mas, por enquanto, conforme prometido, tenho que contar sobre envelopes. Não resisto a dizer que são elemento essencial da cultura tailandesa. Começando pelos funerais, assunto da semana passada: ao comparecer a um velório, você leva um envelope com dinheiro, que entrega a um membro da família. Dar comida durante muitos dias a um mundaréu de gente que vai até o velório custa caro! Assim, os amigos e convidados expressam sua solidariedade contribuindo para o pagamento das despesas.

Há casos em que, por ter a morte ocorrido em circunstâncias que chocaram os amigos e a comunidade, a família do falecido chega a ter "lucro" com o velório - isto é, somadas, de um lado, as despesas, e de outro, o conteúdo dos envelopes, sobra um tanto de dinheiro.

Os envelopes também são usados nos casamentos. Em vez de presente, espera-se da maioria dos convidados um envelope com dinheiro. Presentes só dão - às vezes - os irmãos, pais, tios e avós dos noivos, e um ou outro amigo muito chegado. O resto... envelope! Já pensou? Nada de preocupações dos noivos com listas de presentes, ou correrias dos convidados pra comprar e mandar entregar presente. Um envelopinho, e pronto.

Mas não é tão simples assim. A quantia que um convidado coloca no envelope tem a ver não apenas com sua maior ou menor proximidade dos noivos, como também com seu status. A sociedade tailandesa é altamente hierarquizada e as relações sociais se desenvolvem como uma dança delicada e complexa, cada passo a levar em conta múltiplos elementos. Na Tailândia não há ninguém de status exatamente igual a outro. Existe sempre uma diferença de salário, idade, nível de instrução, profissão, etc., que distingue entre o status de uma pessoa e o de outra.

No caso dos envelopes, quem tem mais status deve dar mais. Assim, se você é um amigo do noivo, recém-saído da faculdade, precisa colocar muito menos no envelope do que o chefe do noivo na empresa onde ele trabalha. É comum os colegas de trabalho da noiva ou do noivo se juntarem e fazerem um envelope coletivo. Mas o chefe não pode aderir, de jeito nenhum. Seria uma demonstração impensável de pão-durismo e falta de traquejo social.

Nos velórios, você escreve seu nome a lápis no envelope, para que a família possa depois identificar quem deu quanto. Nos casamentos, você aproveita o envelope em que veio o convite, onde já há o seu nome; retira o convite e coloca o dinheiro. Em toda família, há sempre uma pessoa mais cuidadosa que se preocupa em anotar a quantia ofertada por cada convidado.

Quando chegar a vez de um casamento ou funeral na família de uma dessas pessoas que contribuíram, o valor das contribuições delas recebidas será levado em consideração.
- A família do Suthep deu “x” no casamento da Patcharee, então agora não podemos dar menos...

Mais envelopes são necessários no Ano Novo chinês (que é celebrado na Tailândia em acréscimo ao Ano Novo ocidental e ao Ano Novo tailandês - este sim, a grande festa local). Desta vez são pequenos envelopes vermelhos, sempre com dinheiro dentro, dados geralmente pelos tios aos sobrinhos ainda crianças ou adolescentes; ou entregues ao porteiro e à faxineira do seu prédio. Em ambos estes casos, está por trás o princípio de que quem tem mais, reparte com quem tem menos.

Esse mesmo princípio - e a importância do status - se aplicam à ida de um grupo a um bar ou restaurante. Se há alguém no grupo de status marcadamente maior que o do restante da patota, esse paga a conta toda. Sozinho.

Quem acha que no Brasil há muitas obrigações sociais, ainda não esteve na Tailândia.
Se bem que o Brasil é páreo muito duro...

2 comentários:

  1. Paulo Emilio, não acho certo vc. sair assim ... encheu nossas semanas de alegria e novidades comportamentais. Vou fazer deste post meu envelope, que se cá tivesse, te mandava, á moda antiga local, com algumas palavrinhas de protesto, apelo,choramingas e tudo mais me ocorresse e que te fizesse reconsiderar tamanha sandice. Deixa disso! Mas se não tiver jeito, Mai pen rai.

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  2. Méri, muito obrigado! Descobri que pra quem escreve em blogs, ter comentários é tão bom.

    Sinto necessidade de dar andamento a outros projetos. Mas ainda planejo escrever mais duas crônicas - se o Tiago me suportar...

    Depois, abre-se espaço para outras pessoas - quem sabe você?

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