sábado, 24 de outubro de 2009

NÃO DESCE PRO PLAY

Olhando pela janela, incontáveis prédios. Desses, uns seis ou sete agulham o céu. Longe de experimentar qualquer angústia cínica ou politicamente correta, saúdo-os como parte dinâmica da minha paisagem.

Wait a minute, Mr. Postman: os prédios agora são “parte dinâmica da paisagem”? Respeita a nossa paciência...

É isso mesmo. Parte dinâmica, sim. Na minha paisagem sou brindado com uma fachada coberta por um monstruoso, colorido, mentiroso e pontual front-light que se acende religiosamente às dezoito horas, mais uns dois prédios comerciais e outros residenciais. Também tem um que me mostra os fundilhos. Visão que incita a comparação com as chatas das montanhas: são sempre a mesma coisa e, tais como os fundos dos prédios, só se alteram em caso de queimada. Sua única contribuição é variar a cor de acordo com a posição do sol. Os prédios, não. No horário comercial os comerciais alternam pessoas nas janelas ou passando por elas, esbanjando atividade. No horário residencial os residenciais brilham intermitentes, emitem sombras, apagam ou permanecem como eu - teimosamente acesos até amanhecer. Desprendem muito mais vida do que a imaginação das tão emocionantes e ameaçadas fauna e flora, lá nas gastas montanhas, consegue aparentar.

Mas é fazer muita questão de ser do contra!

De jeito nenhum. É simplesmente ser coerente com a minha escolha. Sou um ser urbano. Então, um pouco de amplitude me basta. Os prédios, desde que não me aprisionem, são parte da paisagem e, conseqüentemente, fundamentais para o equilíbrio. Se eu quisesse a pureza visual que vocês pregam, mudaria para uma ilha. (Claro que, em as coisas se ajeitando, mudo para uma cobertura na avenida Atlântica.) Mas, veja bem, mesmo assim o elemento urbano está sempre presente. O marzão, lindo e infinito, está lá. Mas cá, estão os carros assim como as bombas, assaltos, prostituição, gringos gays, não importa. Nós, urbanos, sabemos conviver com essas coisas. Ainda acho isso preferível a enfrentar animais peçonhentos e voadores, sem mencionar a barulheira habitual do tão propalado silêncio dos locais ermos. Já reparou que, toda vez que você tem o infortúnio de ser pilhado num local ermo, sempre tem uma alegrinha que vem com a mesma churumela? “Geeente, uma delícia esse silêncio, né?” E, durante vários segundos, ignorando olimpicamente a algazarra produzida pelos mais variados e traiçoeiros insetos, répteis e afins, todos ostentam expressões abobalhadas, olhando pra cima e emitindo, após os suspiros de praxe, considerações profundas como: “Pô, é mesmo...!”

Exagero. Vai dizer que você não se sente bem numa fazenda, ar puro, noite estrelada, cachaça de qualidade, amigos em torno, boa conversa, mulher amada aninhada, aquela sensação gostosa de aconchego, de calor humano, hein, hein?

Uma vez por ano, no máximo! Além do mais, esse seu paraisinho aí só existe na imaginação. A chance de tudo o que você falou se integrar com tanta harmonia é a mesma das suas aventuras sexuais: podem até acontecer, mas tenho certeza que não são assim tão freqüentes nem tão completamente satisfatórias quanto você tenta me fazer acreditar.
E, também, o argumento não procede. Estamos tratando da vida urbana. Acho o auge da incoerência o cidadão morar na cidade e ficar pichando tudo o que, a duras penas, ela procura oferecer. Assim como é muita bobeira ficar todo o tempo querendo fazer da cidade um primor de correção ecológica.
Ora bolas, não sabe brincar, não desce pro play.

3 comentários:

  1. Tiago, hoje vc está atacado...rssss
    Veja só: Moro na capital do MS, meu bairro fica a uns 6km do centro. Não tenho edifícios na vizinhança e desfruto do sossego urbano. Ao mesmo tempo que ouço os carros que passam na rua, tb ouço grilos à noite e durante o dia a passarinhada que canta alvoroçada. Sem falar no casal de aráras que sobrevoa minha casa aos berros todo fim de tarde.
    Morei 23 anos em Sampa, juro que não sinto falta daquela sinfonia de sirenes, buzinas e trânsito caótico. Cada vez que vou pra lá, levo uns 3 dias para me readaptar ao barulho...rs
    Mas tem gosto pra tudo na vida....rs

    Bjs

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  2. É isso aí, Tiago! Arrasou! Esse papo de extinção da natureza é muito chato. Já pensaram se os dinossauros não tivessem sido extintos? Os homens, que eram o café da manhã, almoço e jantar dos monstrengos, teriam sido extintos. Minha teoria (que muitos acham punk) é: quando tem que acabar, acaba mesmo e, geralmente, surge coisa melhor...

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  3. "Exagero. Vai dizer que você não se sente bem numa fazenda, ar puro, noite estrelada, cachaça de qualidade, amigos em torno, boa conversa, mulher amada aninhada, aquela sensação gostosa de aconchego, de calor humano, hein, hein?"

    É verdade, acho que só existe mesmo na imaginação, mas que faz suspirar profundo, ah isso faz mesmo.

    Amanda

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