Só se deu conta da gravidade da situação quando, em pleno fim de tarde de uma normal terça-feira, debruçado na micro-varanda de seu apartamento, escutou seu próprio pensamento como se fosse num rádio: “Essas benditas ondas nunca vão quebrar...”
Estava contemplando, sem ver, as montanhas que cercam a cidade: enormes ondas verdes que se erguem mas não completam a ação. Daí, para uma sensação estranhamente nostálgica, foi mais rápido que adolescente na zona. Afinal, havia saído do Rio por opção. Já não agüentava o trânsito e tudo mais que envolve o adorável pesadelo carioca. Os amigos estranharam mas ele não se comoveu. “Não tá dando mais nem pra ir à praia. Então... Têve bom!”.
Mas, passados mais de vinte anos, em qualquer chance, ia à praia; nordestinas, capixabas, etc. E, naquela varanda, naquele momento, estava descobrindo que não era a mesma coisa. Criado no Leme assimilou, e agora revivia, pequenos e importantes detalhes ignorados pelos que de lá não são: mar forte, onda boa? Mais pro final, no Leme. Ondas firmes e mais constantes? Do posto 2 e meio ao 4. Daí em diante, “piscininha”...
Época de ressaca, o limo que aparece na laje de concreto é o escorregador perfeito para cair n’água... De peito!
Pranchinha de madeira: Mediterrânea ou Oceânica? A Mediterrânea é mais rápida. A Oceânica é mais estável. E por aí afora.
Para ver o Cristo, tinha que nadar pra depois da arrebentação. Mais frio na barriga do que na água. Tudo totalmente compensado, na volta, pela emoção, orgulho e a procura imediata de algum garoto mais novo para a inevitável provocação: “E aí? Já viu o Cristo?”.
Hoje, basta andar até a beira e olhar acima dos prédios. Ele continua lá. Só que sem aventura (ou com muito mais, depende do ponto de vista...).
No lugar do tchaca-tchaca-tchaca da matraca do vendedor de biscoitos, além do inconfundível ruído dos pés afundando na areia fina, escuta de uma Kombi velha cheia de caixas de som: “Suuuperrrmerrrcado Castorrrr!!! Rrrroendo os preços para vocêêê!!!”
E as ondas continuam sem quebrar. É... Tá complicado.
Quando a toalha vermelha aparece pendurada na janela é hora do almoço. Quem quer, vai. Depois que a toalha é retirada, babau. Quem foi, foi. Quem não foi nem adianta pedir. Códigos exercitados com a genial simplicidade da era pré-celular quando o chique era ir pra praia portando, no máximo, sandália havaiana, dinheirinho pro mate com limão preso no lado da sunga e olhe lá!
A forte maresia do fim do dia foi substituída pela Dama da Noite. Não dessas que vocês estão pensando e sim do perfume da árvore que leva esse nome. Até porque essas outras damas da noite são as mesmas em qualquer lugar - pensava tentando fugir do assunto. Mas não teve jeito. Estava remoendo antigos cheiros, visões e sensações que as buzinas, apitos ou apelos quaisquer não conseguiam afastar.
Olhando agora com mais atenção, conseguiu identificar o motivo maior de seus atlânticos devaneios: as montanhas. Elas ativam a imaginação, mas cerceiam o alcance. Funcionam como muralha. Enquanto o mar liberta.
Lembrou então das infindáveis horas que passava olhando o mar.
E das mais improváveis viagens mentais que aconteciam nesses momentos. Dava de tudo: desde “Podia pular uma baleia bem aqui na frente!”, passando por “Podia a Sandra Bréa aparecer nuazinha no por do sol...” e chegando a tsunâmica premonição “E se o mar recuasse até o farol e viesse uma onda gigantesca?”. Tudo isso e muito, muito mais, vinha fácil, fácil. Era só sentar na areia e ficar olhando, escutando e entranhando a grandeza inexplicável dessa constante inconstância.
E hoje, aqui, as viagens param logo ali.
Naquelas lindas ondas que nunca vão quebrar.
Resta sair da varanda, pegar uma cerveja bem gelada e prometer: “Na próxima vez que eu for ao Rio vou aproveitar mais!”
Uau Tiago, estava inspirado hoje heim!
ResponderExcluirInteressante a analogia da montanha e a onda que não quebra! Divagações de surfista, só faltou o hangloose no final...rs
MUITO BONITO. A analogia da onda, o Superrrmerrcado Castorrr, o barulho da areia fina sob os pés. Esse último é que me pegou - mineiro, com "nostalgia" de quem cresceu longe do mar e com boas lembranças da única cidade de praia em que vivi. Sua descrição só confirma que ir ao litoral de vez em quando não é a mesma coisa. O lance é estar ali todo dia, reconhecer cada sinal da areia, do céu, das ondas. E o cheiro do mar?! Seu texto quase respingou maresia na tela do meu computador...
ResponderExcluirSem falar no lance da toalha na varanda... O texto é o retrato não só de um local, mas também de uma época. Sem celular, só com sunga e o trocado pra comprar uma bebida...
ResponderExcluirIsso dá samba...
Vera,
ResponderExcluirsou da época do "jacaré" - pegar onda de peito ou, no máximo, deitado numa pranchinha de madeira. Depois é que veio o isopor e depois chegou o surf. Mas aí eu já estava fumando o suficiente para não me aventurar em "hanglooses"...
Matias,
ResponderExcluirrespingar maresia na tela é um puta elogio!
Tô todo inchado.
Abs.
Eu amo o Rio! Eu amo o Leme! Eu amo o mar!
ResponderExcluirAinda bem que alguém escreve isso com mais poesia, mais crônica, mais visão, audição, tato, paladar e olfato do que minha reles declaração de amor bairrista!
Obrigada! :)
Tiago, parabéns! Essa está de lascarrrrrrr!!!!! E no mais? Cumprir o prometido na última frase do texto: da próxima vez aproveite mais, e muito, que esse é o único modo de criar lembranças, pontos de referências a serem partilhados num futuro, como os que partilhamos, todos, nessa crônica. (Laila disse... não sei fazer isso de postarrrrr)
ResponderExcluirAdorei este pedacinho de cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, e desta vez encantos de vc. beijos
ResponderExcluirPutz.Até que enfim, Tiago, vc soltou o verbo. Eu esperava, um dia, ouvir esse desabafo. Mesmo em sendo mineiro e, orgulhoso disso, não vejo BH melhor do que outro lugar qualquer, no Brasil, para viver. Isto aqui é uma bosta, data vênia. Sei da divisão de sentimentos, pela qual passou. Acho que seus verdadeiros amigos daqui, fizeram-no declinar por BH numa fase em que todos nós éramos felizes, de uma forma ou de outra. Lembro que Laila ficou ensandecida de paixão pela turma. Sem comparações em nível de beleza (o Rio é lindo), aqui vc viveu um ciclo importante de sua passagem pela vida. Quem sabe é hora de voltar para a terra amada? Se for, coragem - vá logo. Não perca mais tempo. A 'nóis' daqui, que o amamos, só nos restará uma dor filha da puta de tanta saudade ... DuduGouvêa
ResponderExcluirÔ Dudu,
ResponderExcluira saudade é só da praia cuja também não existe mais. Então, fico por aqui remoendo lembranças. Tá de bom tamanho...
Abs.
Quando começo a pensar essas coisas também pego uma bebida, pra evitar o suicídio.
ResponderExcluirE não é que funciona...?
ResponderExcluirGente, positivamente, pegamos a bebida por qualquer motivo. Beber enebria-nos.
ResponderExcluirDuduGouvêa
Com relação ao último comentário sobre a bebida: tanta coisa que a gente faz (a maioria delas?!) pra evitar pensar/lembrar/sentir... Viver não é fácil, não.
ResponderExcluirPeraí, também não é tanto assim. A resposta acima ("E não é que funciona...?") foi com bom humor - assim como foi o comentário do nosso prezado Z.
ResponderExcluirPelo menos pra mim a cerveja é companhia agradável e não alienante. Vantagens da idade...
Tiago,
ResponderExcluirArrazou ...
MV