Lucimar ganhou um celular
e, mais do que falar, se pôs a fotografar.
(Parece frase de música
do Skank ou afins, mas é a 'realidade'.)
Lucimar começou
vivendo a vida a que estava predestinada: filha de família
pobre, trabalhando desde cedo, primeiro grau vencido à duras penas;
dividida
entre o pagode e o trampo, paixão instantânea, mãe adolescente;
casamento apressado,
marido logo descartado, solitária com um filho a ser amamentado;
emprego temporário num
supermercado, filho pela avó sendo cuidado, dinheirinho contado, futuro
desamparado.
Tal como Joseph
Climber, nessa situação qualquer uma ficaria desanimaada, chateaada.
Mas, não Joseph Climber e, muito menos, Lucimar.
Esperta, inteligente,
bonita e simpática, rapidamente aprendeu a se defender nesse mundão esquisito e
agressivo sem perder as bases incutidas pela família: "Sou pobre mas sou
honrada".
(Bases
essas que, como sabemos, até pouco tempo faziam as delícias da Casa Grande cuja,
hoje, anda importando filipinas ou propondo "adoções" para suas
necessidades já não supridas pelas Lucimares de antigamente.)
Mas, não Lucimar.
Ela não sabia explicar
o que sentia quando andava pela rua.
Era uma coisa estranha, como se estivesse
vendo tudo com olhos de outra pessoa. Ou como se fossem fotografias.
Apareceu um emprego de
faxineira numa Casa Grande - mole pra ela que cresceu limpando, esfregando e
reluzindo.
Caiu nas graças do Senhor e da Senhora que, num gesto magnânimo, a
presentearam com um celular.
(Como
sempre, os gestos magnânimos da Casa Grande disfarçam o verdadeiro objetivo:
manter os serviçais sob controle.)
Mas, não Lucimar.
Ela descobriu que o
celular tinha uma câmera e entendeu que aquela antiga sensação esquisita estava
explicada. Desandou a fotografar
tudo que via e estava feliz sem saber bem por que.
Wellington, o dono da
lan-house que ela passou a frequentar, cheio de amorosas intenções, a
presenteou com um pen-drive recheado com os arquivos das visões que a cercavam.
Deixando no ar uma indisfarçável nuvem de promessas, ela agradeceu e saiu correndo para um fazer
um bico numa recepção chique promovida pelos Senhores da Casa Grande.
Servia drinques, salgadinhos
e chamava atenção por seus predicados explicitados numa calça justa mal
disfarçada por um avental inconveniente. E foi do bolso traseiro (e que traseiro!) que caiu o pen-drive.
Johnny Rivers fazia a burguesia
se balançar ao som de It's Too Late e Lucimar, tentando disfarçar seu desespero
com um olho na bandeja e outro no chão, esbarrou numa gravata borboleta. Acima
dela um rosto vermelho sorridente perguntou: "This is yours?"
Claro que ela não
entendeu mas o pen-drive estava nas mãos sardentas do gringo e ela pegou
direto.
Ele, num português
macarrônico, tentou de novo: "Ser important?" Ela, sorridente,
respondeu: "Muito".
O sorriso franco foi
suficiente para derreter o gringo que passou o resto da noite cercando
a "hot brunette".
Mas, não Lucimar.
Ela não se casou com o
gringo, não foi morar em Miami, não virou uma fotógrafa cult, não foi
descoberta pela mídia ávida de celebridades instantâneas, bem como não passou a
postar fotos autopromocionais no fêicibúqui.
Ela se casou com o
Wellington, teve mais três filhos e continua sendo uma fotógrafa compulsiva. E,
caso seus descendentes tenham sorte, sua arte vai ser descoberta e incensada
depois de sua morte.
(Valeu sua sugestão, Cláudia Castro?)
(Valeu sua sugestão, Cláudia Castro?)
Gostei.
ResponderExcluirMuito bom!!! 😄😄😄😄
ResponderExcluirMuito bom o conto de fadas. Gostei muito.
ResponderExcluirAbração
Tô na dúvida se "conto de fadas" é sacanagem, ironia ou elogio.
ExcluirEntão, vou ficar com as três opções e me divertir com todas elas.
Valeu, Fernandão!
Genial, Tiago! O final anti-clichê é dez!!! O nome da personagem é em homenagem àquela que auxilia sua esposa, no lar?
ResponderExcluirFoi ela que fez a primeira foto daquela série "féxon".
ExcluirDaí...