sábado, 16 de janeiro de 2010

GUARDIÃO

-Eu sei que é chato, mas não foi por falta de av...
-Pó-pa-rá!!! Não começa com essa história porque eu não estou com a menor paciência.
-É, mas se você parasse um pouquinho pra pensar não estava agora nessa amargura.
-Amargura é coisa de viado. Eu tô é muito puto da vida! Ou, caso esteja ferindo os seus sensíveis ouvidos, estou muito prostituto da minha ignóbil existência.
-Tá, tá. Mas dá pra me escutar? Tenta, se estiver ao seu alcance, tirar um aprendizado disso tudo.
-Hmmm... Se estiver ao meu alcance? Ironias sutis? Vá te catar ô comentarista de vídeoteipe. Depois que as coisas acontecem sempre tem um pentelho pra vir com esses papos, “eu falei... agora aprende... nhém-nhém-nhém...” Saco.
-Bom, se você vai ficar nessa crise mista de autopiedade e raiva do mundo, só me resta citar o filósofo: foda-se!
-Aaah, “foda-se”? Que maneiro, merrmããão! Onde estava esse ser superior e filosófico na hora do pegapacapá? E agora é “foda-se”! É bem o estilo da sua tchurma...
-Ô, pasquácio! A nossa tchurma é a mesma. Ô, bobão! Tá perdendo o pouco que te restava de raciocínio? Ainda tá dando conta de andar e mascar chiclete ou já tá tropeçando?
-Á-pá-merda!!! Olhaqui, você sartou de banda! E agora a última coisa que eu preciso é de um teórico de gafieira ficar buzinando na minhorêia.
-“Minhorêia...” Que gracinha, “minhorêia”, que autêntico! Autêntico babaca. Eu não sartei de banda coisa nenhuma. Só deixei você seguir seu caminho. Você é engraçado, devia ser técnico de futebol: “Eu ganhei, nós empatamos, eles perderam!”. Além do mais, quando você engata uma primeira não ouve mais nada... Pede chopp.
-Peço porranenhuma.
-Mas é um chato, mesmo. Você está de frente pro garçom, ô pentelho!
-Seguinte: e agora? O que fazemos?
-Fazemos? Nós? Nós quem, cara-pálida? Te vira! Eu tô me virando, ó: Ô garçom, mais dois! Tava tentando conversar numa boa, não quer, repito: foda-se.

-Peraí, também não é assim. Custava você ter ajudado? Agora tá tudo complicado. Se você estivesse mais atento, as coisas poderiam ter corrido melhor...
-É, agora tá complicado pracacete! E eu bem que tentei avisar, mas você não tem jeito. Bom, o que está cagado, está feito. Vamos recapitular e procurar uma saída.
-Meeeu garoooto! Pensa aí numa solução. Pra alguma coisa você tem que servir...
-Olha, quem está ficando sem paciência sou eu...
-Ok, ok... Sem sacanagem. Me diz: cuméqueu saio dessa?
-Antes de mais nada, vamos ver como você entrou nessa. Em primeiro lugar, não tinha nada que mexer com a mulher dos outros.
-Maldade... Não foi nada disso... A Malu é uma mulher livre, moderna, divorciada, resolvida, filha-da-puta...
-Livre? Moderna? E o namorado, noivo, seja lá o que for?
-Ainda tá lá. Mas na época eles estavam meio brigados e ela estava precisando de apoio numa hora difícil. Você sabe que nós estamos sempre prontos para uma ajuda aos necessitados, não é?
-Aos necessitados, coisa nenhuma. Às necessitadas! Mas será que você não notou nenhum sinal? Mandei pelo menos uma dúzia!
-Não vi nada. Não sei de nada. Você é muito sutil...
-Sutil é o cacete! Não tem desculpa. Na primeira vez que você atacou, ela foi bem clara: é só amizade!
-Cascata! Você pode ser muito bom de proteção, mas não entende bulhufas de mulher. Amizade? Que amizade o que! Volta e meia ia lá em casa, sempre com muita conversinha, tava dando mole geral, tanto que deu no que deu...
-É... Deu mesmo! Mas foi você que armou tudo. A mim você não engana: charminho, encontros armados no elevador, gracinhas criativas, jantarzinho japonês e crau!
-Como é que eu podia imaginar que uma mulher quase quarentinha, não agüentava uma garrafa de vinho? Ela ficou doidaça, me agarrou, me seduziu... E pra piorar, ainda jurou que tinha ligado.
-E o governo gasta milhões em propaganda de camisinha... Você é corajoso, hein?
-Corajoso nada. A safada me engrupiu dizendo que era ligada. Afinal, até então ela aparentava ser uma mulher cuidadosa mas, quando o vinho fez o efeito... Cadê camisinha? Se ela não estava preocupada, muito menos eu!
-Ô tarado, e doença? Não te preocupa não?
-Que nada, conheço, é minha vizinha. Esqueceu que eu cerquei mais de seis meses? Só tem o tal lá e mesmo assim, de vez em quando. Tudo bem, às vezes ela arma umas saídas meio fora de hora quando ele não está, mas é com as amigas, nada demais...

-E quem garante que o rebento é de sua lavra?
-Ninguém. Mas ela falou que tem certeza, que vai rifar o cara e que quer criar o filho comigo.
-Se não há garantia...
-Não importa. A questão é que ela falou até em ir pros jornais. Já pensou? Logo agora que eu estou na beirinha da nomeação? Vai acabar comigo. A vaca.
-Mas se não existe a certeza... Espera nascer e faz DNA!
-De jeito nenhum! Lembra do Tancredo: mais importante do que o fato é a interpretação do fato! Se esse negócio vazar eu estou fudido e mal pago. E além do mais, pode ser meu mesmo!
-Não sei se você é otimista ou muito burro... Tá legal. Mas juro que é a última vez que eu vou interferir. Essas suas aventuras idiotas estão abalando a minha reputação.
-Quê-que-cê-vai-fa-zer?
-Me aguarde...

-Pô... E aí? Um mês e você não dá notícia?
-Anta humana! Não sacou nada?
-Sacar o quê? A demente continua me cercando, dizendo que vai fazer ultra-som, que quer saber se é menino ou menina...
-É mesmo? Ela foi pros jornais?
-Não, claro que não!
-...!
-Tô tratando com o maior cuidado... Tá maluco?
-E o noivo?
-Aparecendo normalmente.
-...!
-Outro dia encontrei com os dois. Maior cinismo. Ela é uma vaca mesmo.
-É? E você é o quê?
-Ei! Afinal, de que lado você está?
-Infelizmente, do seu. Fica frio. As coisas estão andando.
-Você é empolgante.

-E aí, já conseguiu entender?
-Entender o quê? Já passaram dois meses, ela volta e meia tenta me agarrar, não atendo mais a campainha da porta, ando com medo de pegar o elevador, garagem então é um perigo, minha nomeação encalacrou, tá tudo uma merda e você ainda fica com mistério. Tô entendendo que você é uma bosta de guardião!
-Ooolha! Respeito conserva os dentes...
-Tá, tá, mas será que dá pra explicar?
-Que coisa! E quando era pequeno parecia tão inteligente... Vamos lá: sua nomeação não encalacrou, está é mudando pra melhor: Brasília, ganhando uma nota preta. Só espero que você consiga manter um restinho de dignidade e não se meta em falcatruas.
-Tá-brin-can-do! É mesmo? Bem que eu notei alguns comentários do Barbosa...
-Aleluia! Ele conseguiu ver um sinal!
-Que mais, que mais???
-Não me pergunte como, mas consegui trocar a paternidade. Era seu mesmo, mas trabalhei nas fontes corretas e a alteração foi feita. Agora é do noivo.
-Genial! Mas rapaz, não sabia que isso era possível...
-Normalmente não é. Ainda me resta algum prestígio.
-Você é demais!
-O mais complicado foi aquietar a moça. Aquilo é fogo de morro acima...! Tive que negociar direto com o guardião dela. Sete meses de calmaria garantidos. Durante esse período você se muda, ela te esquece, casa e a criança nasce. Depois, só Ele sabe. E você vai me fazer o imenso favor de ficar pelo menos uns cinco anos sem aprontar confusão. Ô canseira...

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