sábado, 9 de janeiro de 2010

DE CHUTEIRAS NO CARPETE

Pra quem foi criado na areia e no salão, a experiência na grama poderia se tornar um tanto ou quanto complicada. Entretanto, preocupações de menos, diversão de mais, meninas na arquibancada, calções emprestados bem maiores do que era moda na época, chuteiras engraxadas, vamos lá.

Elvis arrepia em Can’t Help Falling in Love.
O bar do cassino está vazio. O hotel é o Stardust que, segundo informações colhidas, era o favorito de Frank Sinatra em Las Vegas. Acompanhado de um “bloody-mary”, escapo da chatíssima happy-hour da feira de equipamentos à qual, por força de régias recompensas financeiras, estou irremediavelmente atrelado.
Tudo bem, Las Vegas vale qualquer sacrifício. O barulho incessante das máquinas te chamando, a maravilhosa sinfonia das moedas caindo na bacia de alumínio, a oferta constante de todas as formas líquidas e sólidas de prazer, a perda da noção de tempo. Um bom cassino é isso tudo e (muito) mais alguma coisa.
Ela passa, olha de esguelha e segue ondulando para as máquinas de 5 cents que ficam em frente ao bar. Essas máquinas são normalmente freqüentadas por senhoras de idade avançadíssima – com suas luvinhas que um dia foram brancas mas a palma e os dedos estão cinza-chumbo de tanto manusear as moedas – ou por criaturinhas ávidas para serem abatidas. Ou ainda – Perigo! – ávidas para abater o incauto de todas as suas economias.

Na metade do segundo tempo, ainda no nosso campo, desarmo um adversário e vejo o Girafa no círculo central. O passe sai perfeito. Começo a correr junto.

“Are you lonesome tonight?” era tudo que eu podia querer naquele momento.
“I wonder iiffff...” Com pose de latin-lover calhorda (engraçado, só viajando é que fico nessas solturas) me aproximo e pergunto se ela está esperando alguém. A resposta é um sorriso tão franco que chega a fazer ruguinhas no nariz.


O Girafa era grandão, meio desajeitado, mas matou a bola com elegância e, virando o corpo, deu um toque de categoria se livrando do marcador. Eu, magrinho e veloz, já estava passando ao lado e pedindo a bola.

Chamo pra dançar. Atitude que poderia parecer comum caso houvesse ali uma pista de dança. Ela aprecia o inusitado e levanta. Se existe poesia no ato de se levantar de uma cadeira, ela está toda resumida naqueles movimentos. Nenhum efeito especial é capaz de reproduzir a harmonia de evoluções ali executadas.
Elvis ataca com Burning Love. O cosmos conspira a meu favor. O ensaio, feito desde a compra do disco, vai funcionar: manter a dignidade e o fôlego para, na hora dos metais e do “a-hunka-hunka-bur-ning-love”, dar três passinhos gingados e sensuais em direção ao poço dos desejos.
Ela recua. Mas não a ponto de causar desânimo.


O Girafa foi levando cadenciado, veio a cobertura, uma quebra de corpo e segue o Girafa. E sigo eu pedindo bola.

Sentados na Wild Roses – agora de 1 dólar – vamos nos divertindo e curtindo.
-Feira de Adubos.
-Tem feira de tudo hoje em dia! Eu, de equipamentos industriais.
-Bioquímica.
-Divorciado.
-Eu também.
-Volto na terça.
-Eu também.
-Volta pra alguém?
-Não.


Na intermediária do adversário, o lateral que vinha atrás de mim muda de direção e parte pra cima do Girafa.
-Ó ladrãão!!!
O Girafa dá um toquinho certeiro pra frente e salta na hora exata. O lateral passa lotado no carrinho criminoso.

Com ar ainda mais calhorda que o meu (como se isso fosse possível) um cidadão se aproxima e, descaradamente, convida minha ilusão digital a acompanhá-lo numa mesa de alguns mil dólares. Ela, em dialeto local e com classe definitiva, descarta, ignora e me derrete com mais um sorriso indescritível.
A máquina despeja lucros emitindo um som alucinante. O corpo despeja adrenalina em quantidades que, se proporcionais em dólares, me fariam rico e despreocupado.

Eu uivava pela bola. O beque adversário veio pela esquerda pra dividir com o Girafa. Mais uma ginga improvável e o coitado ficou de bunda no chão. E seguia o Girafa. E seguia eu.

Hospedada no mesmo hotel, estava fazendo hora pra jantar. Saudades de casa, não achando graça em nada, -Que bom que você apareceu.
-Acho que dá tempo pro Cirque du Soleil.
-Já fui, mas quero ir de novo...
-E ao Grand Canyon, você já foi?
-...
-Então tá combinado. Amanhã depois do brunch.


O goleiro saiu pra arrebentar. Parecia uma igreja gótica. O Girafa jogou o corpo pra direita, deu um toque pra esquerda, pulou a igreja em tombamento e ficou sem ângulo.

Champagne pela manhã é um néctar que proporciona, além do prazer implícito, uma malemolência altamente comprometedora. Após infindáveis taças e tira-gostinhos, que Grand Canyon que nada! Vamos pra piscina. O champagne continua sua missão desbravadora, a intimidade aumenta.

Eu, na cara do gol, sem fôlego depois da correria e da gritaria, olho para o Girafa que, equilibrado, tranqüilo, levanta a cabeça e rola a bola. Com doçura.

Na água, os corpos se encostam provocando mais fagulhas do que seria de bom tom. Principalmente em público. Dane-se, nós não somos daqui...
A conversa se prolonga assim como a indecisão entre correr para o quarto ou continuar esticando essa deliciosa expectativa.


Me vi como Vavá em 58. Ou 62? Não importa. Eu vou estufar a rede!

Finalmente no quarto, tudo é uma descoberta maravilhosa. Para ambos. Quanta conjuminância...

A bola quicou num montinho, furei espetacularmente, o músculo detrás da coxa gemeu como um acorde de cavaquinho. Mas o que mais doeu, como uma antiga fratura que às vezes ainda incomoda, não foram as críticas do meu time e muito menos as sacanagens dos adversários – foram as risadas das meninas na arquibancada.

No avião, voltando pra casa, promessas e combinações várias.
No passar do tempo, rotina e decepções.
No final das contas, outra que se foi.
Ô vida!

Nenhum comentário:

Postar um comentário