quinta-feira, 1 de setembro de 2016

ANJO DA GUARDA

Em tempos que as 'pessoas de bens' passam a odiar Chico Buarque, nada mais acertado do que prestigiar outro que passou, para eles, de gênio a,
no mínimo, estúpido.

Então, segue mais uma das incontáveis crônicas (para mim) geniais do Luis Fernando Verissimo:

Zeloso guardador

01/09/2016 - 15h00

No outro dia estive conversando com meu anjo da guarda. Há tempo não nos falávamos. Na verdade, na última vez que me dirigira a ele, eu tinha uns 7 ou 8 anos. Começamos a conversa lembrando aquele tempo.

— Como era mesmo que eu dizia? “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador...” Ele sorriu.

— É. Todas as noites, antes de dormir. E sempre terminava me pedindo para proteger toda a sua família, os amigos, os vizinhos e o doutor Getúlio Vargas.

— O doutor Getúlio Vargas?!

— Faz tempo. Foi você que não quis mais falar comigo. Eu continuei ouvindo.

— Pois é. Perdi a fé. Não acreditava mais em você. Aliás, continuo não acreditando.

— Tudo bem. Não é razão para não conversarmos. Eu não tenho preconceito.

— Teve uma coisa que sempre me intrigou: você, se existisse, seria o meu guardador particular, ou cada anjo cuidaria de várias pessoas ao mesmo tempo? Isso explicaria o fato de tantos morrerem fora de hora, enquanto outros sobrevivem. Os anjos da guarda não estão sobrecarregados?

— Não, não. Minhas instruções são cuidar de você com exclusividade. Dedicação integral. Sete por vinte e quatro, sem folga nos fins de semana.

— Eu não lhe dei muito trabalho, dei? Tive uma vida pacata...

— Bom, precisei intervir algumas vezes. Esta você nem vai se lembrar. Ainda garoto, você foi soltar um foguete e não se deu conta de que estava apontando o lado errado para cima. Se não fosse eu cochichar “Vira! Vira!” no seu ouvido, no último minuto, o rojão teria entrado no seu peito.
Outra vez você estava num avião que saía do Galeão para Porto Alegre, e a decolagem teve que ser abortada na metade da pista. Poderia ter sido uma tragédia se não fosse a minha intervenção. No caso, intervi para salvar o seu ego, já que todo o time do Flamengo estava no avião, e o seu nome só sairia nos jornais sob “Também morreram...” .

— Mas fora isso...

— Fora isso, não tenho do que me queixar. Está sendo uma missão tranquila.

— Posso lhe pedir uma coisa, como fazia antigamente, quando eu acreditava?

— Depende. O que?

— Alguns congressistas brasileiros... Não dá para...

— Liquidá-los?

— Não. Mas quem sabe uma dor de barriga coletiva?

— Nós não nos metemos em politica.

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