O Papa
Francisco lançou a Laudato Si - sua
primeira encíclica.
Devo
confessar que nunca, até hoje, tinha lido nem duas linhas (e são milhares delas) de nenhuma encíclica papal.
E fui cair
logo nessa que versa sobre ecologia - assunto que, a princípio, me dá sono.
Só que o
Chicão é phoda - com 'ph' de pharmácia.
Pra quem
quiser ver na íntegra: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
Pra quem
não quiser, seguem alguns trechos selecionados cujos, espero que dêem o que pensar aos milhares e milhares de leitores deste blog:
47. A isto
vêm juntar-se as dinâmicas dos mass-media e do mundo digital, que, quando se
tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver
com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade.
Neste
contexto, os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua
sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação. Isto exige de nós um
esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da
humanidade, e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda.
A
verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso
entre as pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados, que, numa
espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir. Ao mesmo tempo
tendem a substituir as relações reais com os outros, com todos os desafios que
implicam, por um tipo de comunicação mediada pela internet.
Isto
permite seleccionar ou eliminar a nosso arbítrio as relações e, deste modo,
frequentemente gera-se um novo tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais
com dispositivos e monitores do que com as pessoas e a natureza.
Os meios actuais permitem-nos comunicar e partilhar conhecimentos e afectos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar contacto directo com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal.
Por isso,
não deveria surpreender-nos o facto de, a par da oferta sufocante destes
produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações
interpessoais ou um nocivo isolamento.
109. O
paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e
a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do
lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser
humano. A finança sufoca a economia real.
Não se
aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, se aprende a
lição do deterioramento ambiental.
Nalguns
círculos, defende-se que a economia actual e a tecnologia resolverão todos os
problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não
académicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos
simplesmente com o crescimento do mercado.
Não é uma
questão de teorias económicas, que hoje talvez já ninguém se atreva a defender,
mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da economia.
Aqueles que
não o afirmam em palavras defendem-no com os factos, quando parece não
preocupar-se com o justo nível da produção, uma melhor distribuição da riqueza,
um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras.
Com os seus
comportamentos, afirmam que é suficiente o objectivo da maximização dos ganhos.
Mas o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem
a inclusão social.
Entretanto
temos um «superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo
inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora», mas não se
criam, de forma suficientemente rápida, instituições económicas e programas
sociais que permitam aos mais pobres terem regularmente acesso aos recursos
básicos.
Não temos
suficiente consciência de quais sejam as raízes mais profundas dos
desequilíbrios actuais: estes têm a ver com a orientação, os fins, o sentido e
o contexto social do crescimento tecnológico e económico.
123. A
cultura do relativismo é a mesma patologia que impele uma pessoa a
aproveitar-se de outra e a tratá-la como mero objecto, obrigando-a a trabalhos
forçados, ou reduzindo-a à escravidão por causa duma dívida.
É a mesma
lógica que leva à exploração sexual das crianças, ou ao abandono dos idosos que
não servem os interesses próprios.
É também a
lógica interna daqueles que dizem: «Deixemos que as forças invisíveis do
mercado regulem a economia, porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza
são danos inevitáveis».
Se não há
verdades objectivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações
próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o tráfico de
seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o comércio de
diamantes ensanguentados e de peles de animais em vias de extinção?
Não é a
mesma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com a
finalidade de os vender ou utilizar para experimentação, ou o descarte de
crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais?
É a mesma
lógica do «usa e joga fora» que produz tantos resíduos, só pelo desejo desordenado
de consumir mais do que realmente se tem necessidade.
Portanto, não podemos
pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes para
evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente, porque, quando é a
cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objectiva ou
quaisquer princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender
como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar.
144. A
visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia
globalizada actual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa
variedade cultural, que é um tesouro da humanidade.
Por isso,
pretender resolver todas as dificuldades através de normativas uniformes ou por
intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexidade das problemáticas
locais, que requerem a participação activa dos habitantes.
Os novos
processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos
estabelecidos do exterior, mas hão-de ser provenientes da própria cultura local.
Assim como
a vida e o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser
flexível e dinâmico. As soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em
consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profundas.
É preciso
assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas
de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo
histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o
protagonismo dos actores sociais locais a partir da sua própria cultura.
Nem mesmo a
noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do
mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano.
178. O
drama duma política focalizada nos resultados imediatos, apoiada também por
populações consumistas, torna necessário produzir crescimento a curto prazo.
Respondendo
a interesses eleitorais, os governos não se aventuram facilmente a irritar a
população com medidas que possam afectar o nível de consumo ou pôr em risco
investimentos estrangeiros.
A
construção míope do poder frena a inserção duma agenda ambiental com visão
ampla na agenda pública dos governos. Esquece-se, assim, que «o tempo é
superior ao espaço» e que sempre somos mais fecundos quando temos maior
preocupação por gerar processos do que por dominar espaços de poder.
A grandeza
política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em
grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem
muita dificuldade em assumir este dever num projecto de nação.
205. Mas
nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da
degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se,
para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja
imposto.
São capazes
de se olhar a si mesmos com honestidade, externar o próprio pesar e encetar
caminhos novos rumo à verdadeira liberdade.
Não há
sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem
a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos
corações.
A cada
pessoa deste mundo, peço para não esquecer esta sua dignidade que ninguém tem o
direito de lhe tirar.
Eu também nunca li uma encíclica... Mas gostei muito da parte que você postou, em especial desses seis parágrafos do item 47. Abração. Tche
ResponderExcluir"...a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento."
ExcluirTorço para que a galera dos 140 caracteres consiga assimilar pelo menos essa parte. (Que tem estafantes 150 caracteres...)