quarta-feira, 24 de junho de 2015

DÁ-LHE CHICÃO!!

O Papa Francisco lançou a Laudato Si - sua primeira encíclica.

Devo confessar que nunca, até hoje, tinha lido nem duas linhas (e são milhares delas) de nenhuma encíclica papal.
E fui cair logo nessa que versa sobre ecologia - assunto que, a princípio, me dá sono.

Só que o Chicão é phoda - com 'ph' de pharmácia.


Pra quem não quiser, seguem alguns trechos selecionados cujos, espero que dêem o que pensar aos milhares e milhares de leitores deste blog:

47. A isto vêm juntar-se as dinâmicas dos mass-media e do mundo digital, que, quando se tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade.

Neste contexto, os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação. Isto exige de nós um esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da humanidade, e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda.

A verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados, que, numa espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir. Ao mesmo tempo tendem a substituir as relações reais com os outros, com todos os desafios que implicam, por um tipo de comunicação mediada pela internet.

Isto permite seleccionar ou eliminar a nosso arbítrio as relações e, deste modo, frequentemente gera-se um novo tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais com dispositivos e monitores do que com as pessoas e a natureza.

Os meios actuais permitem-nos comunicar e partilhar conhecimentos e afectos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar contacto directo com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal.

Por isso, não deveria surpreender-nos o facto de, a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento.

109. O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano. A finança sufoca a economia real.

Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, se aprende a lição do deterioramento ambiental.

Nalguns círculos, defende-se que a economia actual e a tecnologia resolverão todos os problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não académicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simplesmente com o crescimento do mercado.

Não é uma questão de teorias económicas, que hoje talvez já ninguém se atreva a defender, mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da economia.

Aqueles que não o afirmam em palavras defendem-no com os factos, quando parece não preocupar-se com o justo nível da produção, uma melhor distribuição da riqueza, um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras.

Com os seus comportamentos, afirmam que é suficiente o objectivo da maximização dos ganhos. Mas o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social.

Entretanto temos um «superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora», mas não se criam, de forma suficientemente rápida, instituições económicas e programas sociais que permitam aos mais pobres terem regularmente acesso aos recursos básicos.

Não temos suficiente consciência de quais sejam as raízes mais profundas dos desequilíbrios actuais: estes têm a ver com a orientação, os fins, o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e económico.

123. A cultura do relativismo é a mesma patologia que impele uma pessoa a aproveitar-se de outra e a tratá-la como mero objecto, obrigando-a a trabalhos forçados, ou reduzindo-a à escravidão por causa duma dívida.

É a mesma lógica que leva à exploração sexual das crianças, ou ao abandono dos idosos que não servem os interesses próprios.

É também a lógica interna daqueles que dizem: «Deixemos que as forças invisíveis do mercado regulem a economia, porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos inevitáveis».

Se não há verdades objectivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o tráfico de seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o comércio de diamantes ensanguentados e de peles de animais em vias de extinção?

Não é a mesma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com a finalidade de os vender ou utilizar para experimentação, ou o descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais?

É a mesma lógica do «usa e joga fora» que produz tantos resíduos, só pelo desejo desordenado de consumir mais do que realmente se tem necessidade.

Portanto, não podemos pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes para evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente, porque, quando é a cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objectiva ou quaisquer princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar.

144. A visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada actual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade.

Por isso, pretender resolver todas as dificuldades através de normativas uniformes ou por intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexidade das problemáticas locais, que requerem a participação activa dos habitantes.

Os novos processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do exterior, mas hão-de ser provenientes da própria cultura local.

Assim como a vida e o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico. As soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profundas.

É preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos actores sociais locais a partir da sua própria cultura.

Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano.

178. O drama duma política focalizada nos resultados imediatos, apoiada também por populações consumistas, torna necessário produzir crescimento a curto prazo.

Respondendo a interesses eleitorais, os governos não se aventuram facilmente a irritar a população com medidas que possam afectar o nível de consumo ou pôr em risco investimentos estrangeiros.

A construção míope do poder frena a inserção duma agenda ambiental com visão ampla na agenda pública dos governos. Esquece-se, assim, que «o tempo é superior ao espaço» e que sempre somos mais fecundos quando temos maior preocupação por gerar processos do que por dominar espaços de poder.

A grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever num projecto de nação.

205. Mas nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto.

São capazes de se olhar a si mesmos com honestidade, externar o próprio pesar e encetar caminhos novos rumo à verdadeira liberdade.

Não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos corações.

A cada pessoa deste mundo, peço para não esquecer esta sua dignidade que ninguém tem o direito de lhe tirar.

2 comentários:

  1. Eu também nunca li uma encíclica... Mas gostei muito da parte que você postou, em especial desses seis parágrafos do item 47. Abração. Tche

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    1. "...a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento."

      Torço para que a galera dos 140 caracteres consiga assimilar pelo menos essa parte. (Que tem estafantes 150 caracteres...)

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