O Papa
Francisco lançou a Laudato Si - sua
primeira encíclica.
Devo
confessar que nunca, até hoje, tinha lido nem duas linhas (e são milhares delas) de nenhuma encíclica papal.
E fui cair
logo nessa que versa sobre ecologia - assunto que, a princípio, me dá sono.
Só que o
Chicão é phoda - com 'ph' de pharmácia.
Pra quem
não quiser, seguem alguns trechos selecionados cujos, espero que dêem o que pensar aos milhares e milhares de leitores deste blog:
47. A isto
vêm juntar-se as dinâmicas dos mass-media e do mundo digital, que, quando se
tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver
com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade.
Neste
contexto, os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua
sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação. Isto exige de nós um
esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da
humanidade, e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda.
A
verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso
entre as pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados, que, numa
espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir. Ao mesmo tempo
tendem a substituir as relações reais com os outros, com todos os desafios que
implicam, por um tipo de comunicação mediada pela internet.
Isto
permite seleccionar ou eliminar a nosso arbítrio as relações e, deste modo,
frequentemente gera-se um novo tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais
com dispositivos e monitores do que com as pessoas e a natureza.
Os meios
actuais permitem-nos comunicar e partilhar conhecimentos e afectos. Mas, às
vezes, também nos impedem de tomar contacto directo com a angústia, a trepidação,
a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal.
Por isso,
não deveria surpreender-nos o facto de, a par da oferta sufocante destes
produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações
interpessoais ou um nocivo isolamento.
109. O
paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e
a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do
lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser
humano. A finança sufoca a economia real.
Não se
aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, se aprende a
lição do deterioramento ambiental.
Nalguns
círculos, defende-se que a economia actual e a tecnologia resolverão todos os
problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não
académicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos
simplesmente com o crescimento do mercado.
Não é uma
questão de teorias económicas, que hoje talvez já ninguém se atreva a defender,
mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da economia.
Aqueles que
não o afirmam em palavras defendem-no com os factos, quando parece não
preocupar-se com o justo nível da produção, uma melhor distribuição da riqueza,
um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras.
Com os seus
comportamentos, afirmam que é suficiente o objectivo da maximização dos ganhos.
Mas o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem
a inclusão social.
Entretanto
temos um «superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo
inadmissível, com perduráveis situações de miséria desumanizadora», mas não se
criam, de forma suficientemente rápida, instituições económicas e programas
sociais que permitam aos mais pobres terem regularmente acesso aos recursos
básicos.
Não temos
suficiente consciência de quais sejam as raízes mais profundas dos
desequilíbrios actuais: estes têm a ver com a orientação, os fins, o sentido e
o contexto social do crescimento tecnológico e económico.
123. A
cultura do relativismo é a mesma patologia que impele uma pessoa a
aproveitar-se de outra e a tratá-la como mero objecto, obrigando-a a trabalhos
forçados, ou reduzindo-a à escravidão por causa duma dívida.
É a mesma
lógica que leva à exploração sexual das crianças, ou ao abandono dos idosos que
não servem os interesses próprios.
É também a
lógica interna daqueles que dizem: «Deixemos que as forças invisíveis do
mercado regulem a economia, porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza
são danos inevitáveis».
Se não há
verdades objectivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações
próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o tráfico de
seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o comércio de
diamantes ensanguentados e de peles de animais em vias de extinção?
Não é a
mesma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com a
finalidade de os vender ou utilizar para experimentação, ou o descarte de
crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais?
É a mesma
lógica do «usa e joga fora» que produz tantos resíduos, só pelo desejo desordenado
de consumir mais do que realmente se tem necessidade.
Portanto, não podemos
pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes para
evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente, porque, quando é a
cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objectiva ou
quaisquer princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender
como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar.
144. A
visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia
globalizada actual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa
variedade cultural, que é um tesouro da humanidade.
Por isso,
pretender resolver todas as dificuldades através de normativas uniformes ou por
intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexidade das problemáticas
locais, que requerem a participação activa dos habitantes.
Os novos
processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos
estabelecidos do exterior, mas hão-de ser provenientes da própria cultura local.
Assim como
a vida e o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser
flexível e dinâmico. As soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em
consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profundas.
É preciso
assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas
de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo
histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o
protagonismo dos actores sociais locais a partir da sua própria cultura.
Nem mesmo a
noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do
mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano.
178. O
drama duma política focalizada nos resultados imediatos, apoiada também por
populações consumistas, torna necessário produzir crescimento a curto prazo.
Respondendo
a interesses eleitorais, os governos não se aventuram facilmente a irritar a
população com medidas que possam afectar o nível de consumo ou pôr em risco
investimentos estrangeiros.
A
construção míope do poder frena a inserção duma agenda ambiental com visão
ampla na agenda pública dos governos. Esquece-se, assim, que «o tempo é
superior ao espaço» e que sempre somos mais fecundos quando temos maior
preocupação por gerar processos do que por dominar espaços de poder.
A grandeza
política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em
grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem
muita dificuldade em assumir este dever num projecto de nação.
205. Mas
nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da
degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se,
para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja
imposto.
São capazes
de se olhar a si mesmos com honestidade, externar o próprio pesar e encetar
caminhos novos rumo à verdadeira liberdade.
Não há
sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem
a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos
corações.
A cada
pessoa deste mundo, peço para não esquecer esta sua dignidade que ninguém tem o
direito de lhe tirar.