Ricardo Frank Semler,
em 1988, aos 29 anos, escreveu "Virando a própria mesa"
onde
apresentava ideias revolucionárias
sobre gestão empresarial da época que,
se
bobear, valem até hoje.
Segue um artigo dele pra
se guardar:
Não sendo petista, e
sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de
executivos é um passo histórico para este país.
Nossa empresa deixou
de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender
diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente.
Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos
negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários
que nada ganham com a bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram,
foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos "cochons des dix pour
cent", os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de
importação de barris de petróleo em décadas passadas.
Agora tem gente
fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada
com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do
país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão --cem vezes mais do que o
caso Petrobras-- pelos empresários?
Virou moda fugir disso
tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro
sonegado daqui. Que fingimento é esse?
Vejo as pessoas
vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma
Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento
deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz
o partido.
Não sendo petista, e
sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas,
José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de
executivos é um passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha
que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente
maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos
cujos tentáculos levam ao próprio governo.
Votei pelo fim de um
longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em
termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera
a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança.
Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e
velozmente, neste quesito.
A coisa não para na
Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É
raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos
das empresas bandidas.
O que muitos não sabem
é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis
multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.
É lógico que a defesa
desses executivos presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles
serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás
como país.
A turma global que
monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número
já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo
está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o
volume barrento.
Boa parte sempre foi
gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são
comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros
reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um
dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para
médico, deu uma cervejinha para um guarda ou passou escritura de casa por um
valor menor?
Deixemos de cinismo. O
antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo
de cura, que é do país, e não de um partido.
O lodo desse veneno
pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de
vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que
o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que
precisa fazer em vez de resmungar.