terça-feira, 11 de outubro de 2011

FERNANDO COELHO. SERIÍSSIMO!



CASH,
JOBS
and
HOPE


Fernando Coelho

Nesta temporada incomum da história, na qual estamos misturando crise econômica europeia, primavera árabe, outono americano e a perda de Steve Jobs, um dos mais espirituosos comentários que se multiplicou na floresta eletrônica foi esse:

“20 years ago we had:
Johnny CASH,
Steve JOBS, and
Bob HOPE.

Now we have:
No CASH
No JOBS, and
No HOPE.”

O momento em que estamos realmente requer reflexão, serenidade, decisão e coragem. O que me leva a pensar sobre liderança mais uma vez.
Carlos Borges (um dos meus 4 irmãos) e eu estávamos engajados em uma de tantas sessões de debates que caracteriza toda minha vida em família, quando ele proferiu uma frase lapidar, a respeito de uma certa grande empresa nacional que apresentava sinais fortes de crise, após a perda de seu fundador. Disse Carlos: “Uma empresa ou tem liderança ou tem processos.” Ele se referia ao fato da ausência do dito líder ser a fonte de crise na empresa. Gestores são ensinados a “fazer o sucessor”. São ensinados a criar processos racionais e eficientes para o sucesso de seus empreendimentos. Para uma liderança segura, sem riscos, é melhor que o líder personifique esses processos, e os processos o líder, e assim ofereça o tom que inspira a tribo toda e possa se reproduzir em cativeiro. Um exemplo polido e bem sucedido dessa práxis é Jack Welch, o mitológico CEO da GE.

Até aí tudo muito bem e até mesmo um pouco óbvio. A porca só começa a torcer o rabo quando somos confrontados com casos de talento e sucesso brutal, em desafio a essa cadeia de conceitos, explosivamente construídos sobre a liderança messiânica de um só indivíduo. É um privilégio poder testemunhar em minha própria vida o caso de Steve Jobs, o drop-out que mudou a humanidade, não por ter criado a Apple (maior do que a GE), e sim por ter viabilizado a microcomputação pessoal. Fica claro que há um ingrediente na química da liderança que lhe confere uma dimensão intangível e mágica. Há um componente de fé que está envolvido em toda liderança superlativa.

Sem nenhuma ofensa àqueles que são cristãos mais fervorosos, correndo o risco de ser visto como blasfemo por colocar o divino e o secular na mesma frase, ousarei a aplicar o mesmo exercício a Jesus.
Na tradição cristã, Jesus é um messias que não deixa sucessor.
Espera-se pela sua segunda vinda. Um sucessor seu teria que reunir características muito difíceis de achar: ser diretamente “filho de Deus”, fazer milagres (supernatural) e oferecer ideias originais. Jesus então deixa como “sucessor” não um líder, mas sim um conceito. Seus apóstolos seguem depois a normatizar as ideias originais de Jesus para torná-las “processos” para todos, cristalizada na igreja e suas regras. Fica claro pelo exemplo religioso (Jesus) e pelo secular (Steve Jobs) que lideranças inspiradoras e visionárias são ocorrências raras, fora da curva, que demandam crença para com elas se conviver.

A fé é uma proposta desigual, pois sua intangibilidade promete uma recompensa etérea, imensurável, enquanto o esforço atual que ela exige é real e suado. O combustível da fé é a esperança, ligada a uma recompensa esperada.
Podemos pensar essas mesmas coisas sobre a primavera árabe.
Cada ditadorzinho sendo derrubado foi incompetente na tarefa de formar sucessores. Na verdade sequer contemplaram a hipótese, montados que estavam em seus próprios cavalos de soberba. Cada um deles, décadas atrás, chegou ao poder com o apoio gerado pelo efeito de fé e esperança que suas lideranças e as promessas continham. Ao contrário de Steve Jobs, as promessas vazias se esgotaram em violência e conflito.
Em outras palavras, há uma incerteza sobre a recompensa da fé. Em alguns casos há grande recompensa (Steve Jobs e seus produtos) em outros há pouca ou nenhuma (ditadores árabes). O momento crítico em que estamos parece o proverbial ovo da serpente de Shakespeare (Julius Caesar) que vai inexoravelmente evoluindo até o nascimento de uma víbora que te devora.

A crise atual é perigosa porque ameaça e remove ao mesmo tempo o sistema de crença e o de processos. Isso destrói a arquitetura psicológica que nos une como raça. Sem essa arquitetura nenhuma liderança reverbera a ponto de estabelecer credibilidade.
Sem liderança para aglutinar, por onde recomeçar?
Não há recompensa na desesperança. No CASH, no JOBS, no HOPE.

Leitura adicional para quem se interessar: http://online.wsj.com/article/SB10001424052970203476804576615403028127550.html?grcc=88888&mod=WSJ_hpp_sections_tech

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