domingo, 4 de setembro de 2011

SOBRE CORRUPÇÃO E LIDERANÇA

Muito melhor do que o RRResumo (que não vai ao ar essa semana
por "problemas técnicos") é esse texto do nosso prezado
Fernando Coelho.

Olhando o nobre esforço liderado pela nossa Presidente da República, para minimizar o impacto das quadrilhas que sistematicamente se organizam em torno do poder público praticando a pilhagem, não consigo deixar de relembrar uma interessantíssima passagem minha pelos universos da corrupção e da liderança.

Certa feita, quando ainda mantinha laços profissionais com uma grande empresa brasileira, fomos instados a agir com firmeza para debelar um foco criminoso operando dentro de um dos grandes Centros de Distribuição que a organização mantinha no país.
Era evidente que o patamar de perda naquele CD havia atingido níveis insustentáveis e a causa era furto premeditado e organizado por funcionários. Havia muito a fazer em termos de melhorias em processos e controles, porém o principal problema era mesmo o grupo que trabalhava lá e a cultura de corrupção que havia se instalado na operação.

Um aspecto pouco comentado em nossa sociedade é o problema da corrupção no ambiente privado. Praticamos a infantilidade coletiva de criticar intensamente, com muita indignação, somente a locupletação no ambiente público, que não tem dono aparente. É fácil criticar o governo, pois ficamos sempre protegidos de culpa direta, dado que a espessa camada de dificuldades para endereçar esse combate nos confere um distanciamento, com a conveniente muleta e desculpa para a não ação.

Já no mundo privado, bem debaixo dos nossos narizes, e bem ao lado, no cubículo vizinho, a coisa fica mais pessoal. Nossas tradições cordiais nos inibem de estabelecer esse enfrentamento. Logo o colega é promovido e em poucos anos alça um cargo de diretoria. Monta cuidadosamente seu império de bolas, comissões, coparticipações, furtos e tantas outras formas de envolvimento antiético e ilegal, no ambiente profissional.

Somos econômicos e zelosos para criticar essa prática, que é efetivamente tão danosa quanto tudo de podre que acontece no ambiente público. Nosso problema no CD contaminado precisaria de um eficiente trabalho cirúrgico de substituição de pessoas.
Não tínhamos como trocar todos os quase mil funcionários que havia no local. Nem era preciso, pois o dano era causado por apenas um grupo bem articulado. A questão era como identificar o grupo e seus simpatizantes, para efetivar as necessárias mudanças.

Para isso recorremos a uma insólita solução. Contratamos os serviços de um profissional militar aposentado, de nacionalidade israelense, ex-coronel do célebre Mossad, órgão de informação e segurança do Estado de Israel.
Não. A solução não era espionagem high-tech ou ações espetaculares de flagrantes, apoiadas por super-mega-grampos telefônicos que gravavam os suspeitos. A solução viria de um teste matricial de perfil de personalidade que o Mossad havia desenvolvido para recrutar agentes em sua sociedade extremamente heterogênea. Nosso consultor, um especialista em psicologia prática, adaptou o teste para uso corporativo e vendia seus serviços nessa área. Pelo processo que ele estabeleceu, com um teste em duas fases, conseguiríamos determinar o nível de confiabilidade e integridade de cada colaborador.

A primeira fase era aplicada no contingente todo. A análise dos resultados separava os testados em três grupos. No primeiro grupo estavam aqueles decididamente corruptos e inconfiáveis. Esses deveriam ser demitidos prontamente. No segundo grupo estavam os solidamente confiáveis e íntegros. No terceiro grupo estavam os “Marias-vão-com-as-outras”. Esse grupo ambíguo não era necessariamente culpado. Continha indivíduos contaminados, outros coniventes e até mesmo uma dose de inocentes. Para esse grupo aplicava-se uma segunda rodada de testes, destinados a refinar a seleção, identificando os contaminados que também deveriam ser demitidos. O sistema funcionou direitinho. Identificamos as maçãs podres e reformamos o quadro do CD.
No final desse processo o placar ficou assim:
Podres corruptos = 15%
Inocentes íntegros = 10%
“Marias-vão-com-as-outras” = 75%.

Impressionou-me a vertiginosa proporção (75%!) de gente sem caráter próprio. A lição mais interessante dessa experiência veio no final. Nosso consultor nos ensinou a usar corretamente o resultado dos testes. Com seu forte sotaque, carregado das sonoridades do hebraico, o coronel compartilhou conosco que os resultados que havíamos obtido eram bem comuns nas empresas brasileiras. Aconselhou-nos a promover todos os que haviam se saído bem nesses testes. Cada um em sua área deveria ser guindado a um posto de liderança. Não importa se fosse o ascensorista ou o diretor. Uma vez promovida, a preciosa liderança de um exemplo íntegro movia toda a massa de ambíguos (total de 75%) para se alinhar com a ética, indistinto de patamar profissional, fosse um como chefe dos ascensoristas, e o outro, diretor geral da unidade.

Esse simples e objetivo aprendizado, nascido no ambiente militar, era infalível: liderança respeitável gera equipe respeitada; liderança confiável gera equipe confiante.
Lembro-me da última vez que vi o eficiente coronel. Em pé, com seu notebook na pasta, olhou para mim, com uma cara serena de quem tem mil anos, esboçou um leve sorriso técnico, estendeu a mão e despediu-se, “Shalom”.
Enquanto olhava ele descer o corredor para pegar seu táxi, pensei comigo: somos verdadeiramente uma espécie social e orgânica. Refletimo-nos em nossa liderança, que enxergamos de maneira capital.

Nossa ainda precoce e inexperiente Presidente está correndo ávida para ocupar esse volume, buscando merecer o respeito e o reconhecimento por um lado, antes que vença o outro.
Que a força esteja com ela.

6 comentários:

  1. O texto é muito bom, mas... COMO ASSIM NÃO TEM RRRESUMO????

    coloquei a Tontom no cercadinho e abri o blog, fazendo toda a propaganda: "vamos assistir o vovô"... e... não tem vovô!!!

    (tudo bem, ela assistiu o da semana passada, repetido, mas não teve a mesma graça!)

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  2. É isso aí: vamos aproveitar enquanto ela ainda não entende muito bem as coisas... (eh, eh, eh)
    Bj.

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  3. Muito bom o texto, Fernando! Queremos mais...

    Será que não daria pra saber do coronel aposentado qual seria a porcentagem usual dos três grupos em parlamentos? Achei a técnica tão legal que fiquei curioso...

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  4. No ritmo que "suas excrescências" de locupletam e que a fome de poder dos petralhas cresce, periga tia Dilma "ser morrida" por um colega de trabalho do Sombra. Lembra dele? O segurança "gente boa" do prefeito Celso Daniel? O chefe dos petralhas já tem até "escritório" em BSB.

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  5. Prezados e leais leitores, O debate que esse meu "causo" suscita é sempre palpitante. Desconheço se jamais aplicaram a técnica em um corpo (ou se preferir, cadáver) legislativo em alguma parte do mundo. Suspeito que não, pois há uma imensa dificuldade jurídica em assim o fazer. Em tese uma assembléia legislativa é um poder eqüânime entre os 3 que constituem as Repúblicas modernas e esse escrutínio só poderia ocorrer mediante o pedido interno do grupo, coisa que é deveras improvável. Não há como a polícia ou o judiciário simplesmente intervir e exigir essa filtragem, pois isso seria abuso constitucional de poder... assim sendo a chance de conhecermos essas proporções é pequena. Para quem curte, há um livro novo, de william Duggan, ainda só em inglês, chamado "Strategic Intuition". Estou acabando de ler agora. É sensacional. Não lida com corrupção, porem trata do processo mental que propicia o salto de uma idéia para outra idéia de forma brilhante. o processo descrito por Duggan é muito parecido com o que acontece no ambiente corrupto. A aceitação da corrupção como cultura é o maior incentivo para que ela exista e prospere. Quando temos um governo que abertamente se vale da corrupção como política pública, então, a vaca vai para o brejo mesmo. abração a todos. Fernando Coelho

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  6. Fernando,
    com relação aos "puderes" constituídos, aposto na seguinte proporção:
    90% = Podres Corruptos
    9,9% = "Marias-vão-com-as-outras"
    0,1% = Não tão inocentes e e nem tão íntegros.
    Mas, o maior problema está, como você disse, na aceitação da corrupção como cultura.
    Abs.

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