domingo, 11 de setembro de 2011

JUANITA E RAMON

Talvez tenha sido uma combinação de charme, mistério e ascendência. Não importa. O fato é que Juanita estava, pela primeira vez na vida, completamente apaixonada. Havia conhecido Ramon durante as férias na Flórida e foram duas semanas de descobertas e paixão avassaladora.

Ela era funcionária de uma grande corretora de valores, profissional competente. Filha de pai americano e mãe porto-riquenha, bonita, o fogo latino, contido por muita disciplina, se reavivou. Bem mais novo, Ramon estava estudando alguma coisa em alguma faculdade.

De poucas e genéricas palavras, conquistou Juanita justamente por isso. Os dois eram introvertidos e Ramon dizia frases como “- A partir do alcance do olhar é que se inicia o inexplicável.”
O que não significa absolutamente nada mas Juanita achava profundo e lindo. Principalmente quando dito por aquela voz rouca e pausada, acompanhada de um olhar cheio de oitavas intenções. Além do mais ele era moreno, cabelos lisos e olhos muito pretos, o que incendiava Juanita. Foram para a cama no segundo dia e Ramon, burocrático e apressado, não foi lá esse futebol todo, mas Juanita, com a guarda
(y otras cositas mas) aberta, adorou.

Na realidade, formavam um belo casal de chatos. Não achavam graça em nada, gostavam de ficar quietos olhando o mar, comiam comidas sem imaginação, bebiam pouco e frequentavam eventos só por frequentar. (Foram assistir a um show do Joe Cocker e, quando o dinossauro cantou With a Little Help From My Friends, acenderam os isqueirinhos, levantaram os braços e ficaram balançando pra lá e pra cá só porque todos estavam fazendo a mesma coisa.)

Ao final das férias, voltaram para a rotina de suas respectivas vidas. Agora com pequenas alterações. Eram e-mails e telefonemas cruzando os ares, fortalecendo os sentimentos e amenizando as saudades. Promessas e planos se formavam mas, sempre, de forma quase indecifrável.
Ramon era incapaz de se exprimir com clareza. Juanita, que a princípio achava tudo ótimo, começou a ficar intrigada, curiosa e cobradora:
- O que você tanto estuda? Porque você sumiu dois dias? Quando é que a gente se vê?
- Minha querida, a imponderabilidade é como o vôo da borboleta.
(Isso é resposta que se dê a uma namorada carente?)
Todas as tentativas que Juanita fazia para saber o que ele estudava, o que fazia, eram candidamente rechaçadas com evasivas no gênero.

Numa oportunidade Ramon surgiu de surpresa no escritório da corretora. Juanita achou que estivesse vivendo um filme. Emoldurado na porta, com um buquê de flores na mão, o cabelo cuidadosamente descuidado, ele era o próprio canastrão de filme mexicano.
Ela achou lindo e comovente. Passaram o fim de semana entre beijos apaixonados, sexo apressado e as famosas frases de significado dúbio: “- Tudo o que pode ou não pode acontecer, é resultante de fatores interligados.”
Juanita interpretava do jeito lá dela e seguia em frente. Mas sentia, nas atitudes de Ramon, uma tensão e uma melancolia crescentes.
No aeroporto, minutos antes dele ir embora, tentou abordar com cuidado:
- Está tudo correndo bem com você?
- As pegadas do tempo deixam marcas somente na alma.
Um beijo rápido e ele embarcou.

Algum tempo depois Juanita abriu um e-mail de Ramon que terminava assim: “- Quero estar junto de você para sempre. Amor, Ramon.”
Ficou feliz e espantada com a objetividade. Porém conhecedora do namorado, começou a imaginar quais poderiam ser os significados ocultos da mensagem, uma vez que ele nunca falava diretamente.

No dia seguinte, terça-feira, chegou cedo no escritório e leu novamente o e-mail. Estava matutando sobre a vida, desejando que Ramon, pelo menos naquela vez, estivesse sendo claro e direto, quando uma sombra escureceu a sala e ela escutou um barulho de vidro quebrando. O nariz do Boeing estava entrando alguns andares abaixo e a cabine do piloto invadindo a sala.

A última coisa que Juanita viu foi Ramon - que na verdade se chamava Ahmed Al-Shariff - aqueles olhos muito pretos, o cabelo caindo na testa e, no rosto, uma estranha expressão de completa paz.


Obs.1: A preguiça e essa avalanche midiática de pieguices sobre a data em que Bin Laden mudou o curso da história me dão direito a esse pitaco.


Obs.2: Esse conto foi publicado no “Crônicas em Movimento” cujo está à venda aí no Haja Loja. (Baratinho, viu? Seus unhas de fome...)

12 comentários:

  1. É bom... (eu já conhecia e foi bom lembrar).

    O nariz do boeing alguns andares abaixo e a cabine do piloto invadindo a sala é uma senhora imagem)

    mas, CADÊ O RRRESUMO, PÔ????

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  2. O Rrresumo está com dois PT's:
    "Problemas Técnicos" e "Preguiça Total".
    Mas, deverão ser sanados essa semana.
    Bj.

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  3. O conto é bom pra cacete.
    Escreve mais, rapá...

    Beijos

    Paulinho

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  4. Pô, Paulinho,
    se você olhar aí nos marcadores, tem 53 crônicas e 12 contos perpetrados em dois anos e pouco.

    Donde se conclui que escrever bobagem é mais fácil...
    Abração.

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  5. Zé Arti,
    Concordo com aquele parente cronista lá da Ásia que não começa a semana sem ver o blog. Bicho, estas crônicas precisam acabar em um livro. Vá pensando ai pelas montanhas. Gde abraço, Fuca

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  6. Grande Fuca!
    Elas, as crônicas, já acabaram em DOIS livros...
    Complicado é editar, colocar, anunciar, vender, etc, etc.
    Abração.

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  7. Tiago, eu já conhecia essa crônica, e ela é, realmente, genial! E ela daria um roteiro perfeito para um filme com o Enrique Iglesias, filho do Julio, interpretando o Ramon, e a Penélope Cruz, na pele da Juanita. Né, não?

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  8. Bom que você gostou - ou já tinha gostado!

    (Mas esse elenco aí... Não sei não...)

    Bj.

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  9. Tiago, o Ramon é a cara do Enrique Iglesias!!! E a Penélope seria uma Juanita fofa! Ou você prefere a Salma Hayek? Jeniffer Lopez nem pensar!

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  10. O problema é que essa galera aí eu só reconheço se tiver legenda!

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  11. O venal e corrompido Z.19 de setembro de 2011 às 14:46

    é, se alguém quiser eu tenho um raríssimo exemplar autografado do livro, por módicos 500tim, tá na mão.

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  12. "Venal e corrompido" é o auge da autocrítica...

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