quarta-feira, 17 de junho de 2009

SUTILEZAS

Estava eu vivendo a inebriante experiência de uma lerda fila de supermercado quando me veio à lembrança o inigualável Stanislaw Ponte Preta. Em uma de suas crônicas, ele cita situações onde nos chateamos quase que sem saber. Na dita crônica escrita em meados de 1960, intitulada “Chateações sutis”, meu guru aponta entre outras: “mulher gorda em garupa de lambreta” (manja, lambreta?), “rádio do vizinho”, “tango”, “subir no elevador com um sujeito vestido de árabe” e a ótima “triciclo na contramão”.
“Peralá!”, dirá você. Fila de supermercado não tem nada de sutil. Engano seu, (des)atento leitor. A chatura é tanta que não mais nos damos conta dela. Simplesmente aceitamos como um fato corriqueiro da vida. Da mesma forma que aceitamos secretárias infectadas de gerundismo, malabaristas de sinal, pessoas desesperadas que pre-ci-sam saber o que aconteceu ontem no Big Brother, garçons engraçadinhos e tantas e tantas outras situações que se você parar pra pensar, começa seriamente a ponderar sobre o preço, as condições de pagamento e a manutenção de um lança-chamas.
Mas, vamos ao que importa. Por que a fila demorava mais do que o normal? Porque uma adorável senhora, curvada pelo peso dos anos, resolveu, quando sua compra já estava praticamente encerrada, lembrar de uns filhos-da-puta de uns biscoitinhos que seu neto neurótico a-do-ra! Resultado: lá vai a esforçada anciã se arrastando pelo supermercado em sua cruzada divina pelos divinos biscoitinhos enquanto o heróico ancião-marido fica em cólicas olhando para o grande vazio existencial. Quantas torturas inusitadas, procedimentos dolorosos e comportamentos sádicos não deveriam estar passando por aquela mente durante aqueles intermináveis momentos...
Nós, os da fila, nos dividíamos entre conformados, indiferentes ou portadores de risinhos e caras torcidas, mas tudo muito disfarçado porque hoje em dia, já viu, né? Vai você reclamar de ancião, índio, mulher gorda, escuros em geral e outras categorias que agora me fogem: é processo, televisão, jornal, enfim, toda a parafernália politicamente correta que garante a manutenção desta imensurável hipocrisia que chamam de sociedade.
Pois bem: finalmente retorna a macróbia.
Tensão no ambiente.
Alguns, como eu, apostavam numa espinafração digna de filme italiano. Afinal o cidadão é velho, mas parrudo, com cara de milico e, vocês sabem, milico gosta de tudo arrumadinho sob suas ordens. Se pudesse ele adoraria se comunicar com a amantíssima esposa por apitos. Um silvo longo: apresente-se imediatamente. Um longo e um curto: café. E por aí afora. Não que fosse adiantar porque ela, a amantíssima, pelo naipe, além de surda como uma porta, leva jeito de ter parado de prestar atenção no amantíssimo há uns bons vinte anos.
Outros apostavam na completa indiferença fruto de anos e anos de solidão a dois.
Entretanto, deu-se o inusitado: tentando olhar nos olhos da veneranda (tarefa complicada, pois a dedicada já está naquela de procurando moeda no chão, resultado de um coquetel impressionante de artrites, bursites e outras variadas “ites”), o amantíssimo, com voz suave e tranqüila, perguntou:
-“Por que você tem que fazer isso sempre?”
-“Hrnglmunmrnrmn”, respondeu ela.
Ele, serenamente, pagou as compras, pegou as sacolas e foram embora me deixando com cara de bobo e um dia inteiro de pensamentos disparatados na cabeça.

3 comentários:

  1. Ei Tiago Cruz,

    Você deveria se encontrar comigo em uma fila de supermercado. Iria rir, ao menos. Falo com o da frente, falo com o de traz, travo mil e um relacionamentos e observo tudo, ou melhor, todos (as pessoas são muito curiosas, especialmente quando estão distraídas). Às vezes acho chato mesmo, mas deixo tudinho resolvido por lá. Reclamo, dou palpite e especialmente ajudo (pra coisa andar mais rapidinho). Sou a rainha do pacote, portanto, vou SEMPRE ao supermercado. E nesta, aprendi a transformar estas ocasiões em momentos de relaxamento (claro, quase sempre vou sem o Dudu, rsssss).

    Adorei o seu blog, seu ranzinza doidão. Bjs. Claudinha

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  2. Ranzinza doidão??? Taí, gostei.
    Acho que vou mudar o nome do blog...
    Valeu, Claudinha.
    Bjs,
    Tiago.

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  3. pelo que entendi, quando o Dudu vai, a Claudinha stressa, rsrs.
    Mas de qualquer modo, nao gostaria de ficar na fila atras de voces dois, ia ser uma conversaiada dos infernos, afff. Ja pensou, papo de ranzinza doidao com a rainha do pacote?
    abços Bâlits

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