sábado, 26 de setembro de 2015

PAPO DREK


Muito lá no século passado, um grande amigo
(daquele tipo que nem o tempo, as curvas da vida
e a consequente pouca convivência conseguem distanciar) usava essa expressão que era a sentença de morte para qualquer tentativa de narração ou conversa mais atravessada:
-"Pô, mas que Papo Drek!"

Para minha tristeza, tenho lembrado do Papo Drek em quase todas as vezes que abro o fêicibúqui e me deparo com pratos de comida, frases pseudo inspiratórias e xingatórios do fla-flu político.

Mas, para minha alegria, por aqui as ocorrências passíveis dessa sentença têm sido muito próximas de zero.
O que é perfeitamente explicável pela incrível novidade que é, para mim, acostumado aos tortuosos labirintos das conversas mineiras,
a maneira simples e direta desse povo paraibano doidão.
Ou seja, normalmente a mais corriqueira conversa se transforma em diversão e, várias vezes, em aprendizado do cultivo da gentileza.

Se não, vejamos: fila de idosos no supermercado, o locutor que vos fala porta uma mísera caixa de cervejas atrás de uma caricatural matrona nordestina atarracada, sem pescoço, com um carrinho abarrotado de compras e uma simpatia inversamente proporcional a seus atributos físicos.

Na frente da matrona está um casal de portugueses com dois carrinhos abarrotados.

E na frente deles, parecendo recém chegado da figuração de um filme de caubói, está um cidadão de quase dois metros de altura, óculos escuros, chapéu preto, bengala e luvas pretas. (Juro.)

A fila não anda.
Todo mundo quer pagar com cartão e o sistema não está sistemando.

A matrona vira-se pra mim e começa a conversar.
(Atenção, leitor: as intervenções 'matronais' devem ser lidas com sótáqui).
-Tá assim a semana toda. E eles não providenciam...
-É... Chato, né?
-É só essa cervejinha que o senhor vai levar? Se for pagar com dinheiro dou-lhe meu lugar.
-Vou sim, muito obrigado.
-Pois fique à vontade... Vou sentar no banquinho porque tá demorando mesmo!

Avanço e apelo para o português que, com a gentileza da raça (ou, quem sabe, adquirida por aqui) também me cede a vez.

O sistema volta a sistemar, o caubói estratosférico consegue pagar e eu chego à pole position. A tempo de ouvir da matrona sentadinha:
-O senhor com esse cabelinho branco tá enganando todo mundo, hein?
-Quêisso, minha senhora, eu sou bem idoso...
-Pois num parece, viu? Deus conserve.
-Amém!

E vou embora com o dia ganho.

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