sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

CURIOSIDADES RUBRO NEGRAS - 26 - O BATUTA

O BATUTA

Fernando Lobato

Nos idos de 2005 minha senhora incumbiu-me de uma tarefa que a primeira vista me pareceu prosaica e de fácil solução. Antes de ser um desafio, a situação se apresentava como um desejo frenético e de bons agouros: a comemoração dos 15 anos de sua filha, minha enteada.

O tempo era curto e o sonho desejado emprestava uma certa tensão ao relacionamento do casal. Saímos, pois, a prospectar possíveis lugares para a festinha; contatos, telefonemas, orçamentos, tomadas de preço, etc etc e nada. Eis que me ocorre uma ideia devotada, quase religiosa: vamos fazer a festa no Flamengo!
Gávea, zona sul, os amiguinhos (ou quase todos) curtirão o espaçoso salão com direito a uma sacada descortinando a Lagoa. Tudo perfeito. Meu velho coração rubro-negro se regozijava.

Todos os contatos foram feitos pela minha patroa (mulher é cara-dura e sabe regatear preço como ninguém).
Chegou, enfim, a minha hora: -Mô, você precisa ir na secretaria do clube procurar a Dona Rosangela para agilizar os detalhes da festa.

Um dia incomum para todo o meu ser. Pego o meu carro, entro no estacionamento da Gávea, alardeando pela Dona Rosângela da secretaria numa reação adolescente. Estou em casa!

-Senhor, Dona Rosângela está em reunião, mas o "seu" Silva poderá atendê-lo, profetiza o recepcionista.

Lá vou eu com os olhos atentos e o coração acelerado, vendo tudo em vermelho e preto. Entro e pergunto pelo "seu" Silva; numa sala de dimensões generosas um cidadão aponta lá no cantinho um senhor de costas atrelado a uma mesa diminuta:
-Senhor Silva? pergunto.
A cadeira é afastada, e, num esforço ressentido vira-se em minha direção: -Pois não, assente o funcionário.

Um gigante escuro e abatido me fita com um olhar entre terno e constrangido: -Posso ajudar?
No levantar, apoiando-se tão somente em um dos joelhos, pois o outro, incapacitado, já não lhe sustenta a carcaça, deixa-se mostrar em chinelas - um joanete sobre um solado crespo e lacerado - sua situação precária, de um ostracismo deletério e impiedoso.

Abestalhei.
Não sabia o que fazer, o que dizer, e, num hiato de tempo me veio à memória um corner bem batido pela direita, a figura de um Deus de ébano testando no 3º. andar (num misto simbiótico entre a cabeçada certeira de um Dionísio e a plástica alada de um Pelé).
Gol do Mengão! Gol do Batuta!
Qual jogo? Não sei.

Gávea, Maraca, aniversário, secretaria, 15 anos, o estardalhaço de uma desvairada nação, o mundo desabando em abraços e lágrimas, enchendo de paixão e alegria o coração daqueles dois meninos e suas bandeiras de bambu desfraldadas.
Juro, estávamos lá, querido amigo! E sempre estaremos!

E, num langor torporoso, como que num passe de mágica, a porta atrás de mim se abre e uma voz me regressa ao planeta terra:
-Seu Fernando, a Dona Rosângela chegou e quer falar com o senhor.

2 comentários:

  1. É MEU CARO CIDADÃO, ESTE M E N G Ã O É DE ARREPIAR.....
    ABS., DÊNIS KLEBER

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    1. Arrepios extensivos ao texto do nosso prezado Fernando Lobato.

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