É,
você deve estar estranhando, carta, coisa tão antiga, né? Mas, você sabe, eu
sou antigo.
Fiquei
sabendo, não me pergunte como, que você anda pensando (não vá tropeçar...) em ir a Ituiutaba. Aprazível cidade do nariz
de Minas. Foi lá que você foi gerado, sabia? Em chegando, pergunte pelo Hotel
Tiradentes e, se ainda existir, faça uma reverência ao local de sua concepção (totalmente contra minha vontade, naqueles
tempos).
Estávamos,
sua mãe e eu, começando a vida e sua vinda poderia esperar mais um pouco. Acho
até que seria melhor para você. Mas, início dos anos 50, não havia toda essa
facilidade contraceptiva, tanto física quanto moral, dos seus tempos atuais.
Então... Salve o Hotel Tiradentes!
Antes
que você faça essa cara espantada, lembre-se que entre a geração e o parto são
mais ou menos nove meses e, assim, você foi nascer em Belo Horizonte. Sua mãe,
como toda mulher, fazia questão de parir com todas as garantias tecnológicas
existentes na época desde que fossem ao alcance do bolso. Eram. Consequência,
aí está este cidadão. Mineiro de belzonte, mas do mundo – não vá me
envergonhar! Como te conheço, não vá também fazer cara feia por causa do
“totalmente contra minha vontade”. Eram tempos difíceis, início de vida, de
carreira, mudança de cidade, sonhos, etc, etc. Não preciso lembrar o quanto te
amo. Ou preciso? Se sim, você não cresceu nada, continua um bobão carente.
Tomara que não.
Sinto
o equivalente a saudades de Ituiutaba. Sua mãe e eu éramos jovens, começando a
vida e Ituiutaba era, para nós, o umbigo do mundo. O cotidiano se resumia em
trabalho, cinema e cama. Mas, grande qualidade humana, a paixão faz de tudo um
nirvana. Para sua mãe era uma breve escala na grande e vitoriosa jornada que
tínhamos pela frente. Para mim era um trampolim onde eu iria ensaiar meus
primeiros saltos. Ornamentais.
Mas,
tudo isso é só pretexto para essa carta. Sei lá, depois de tanto tempo sem te
ver, a notícia desse seu plano de ir a Ituiutaba me impeliu a falar com você.
Repetindo, dada a nossa incapacidade de comunicação, resolvi te escrever.
Já
sei, já sei... Você sempre tentou falar comigo, nhém-nhém-nhém, coisa e tal.
Mas, você não pensa que eu também tento me comunicar (às vezes) e você não percebe? Cabeça dura você é! (Saiu à mãe...)
As
coisas aqui são difíceis de explicar. Só quando você vier é que vai entender.
Tentando fazer um paralelo que seja inteligível para sua limitada forma de
raciocínio, tudo pode ser resumido em sensações. Não pense que é o paraíso.
Ainda estamos longe dele. Mas, com certeza, é infinitamente melhor do que aí.
Claro
que sinto algo parecido com falta de vocês todos. Mas, são tantas coisas novas,
e, principalmente, tão diferentes. As etapas vão se sucedendo e, pra piorar,
não existe essa noção de tempo. Você lembra que, aí, eu já tinha problemas de
sincronização. Agora então, para relacionar com o seu relógio é uma
dificuldade! Aqui não há essa coisa de tempo fixo, determinado em segundos,
minutos, etc. São, como já disse, etapas. Que vão se sucedendo em paralelo. É
muito legal. Você vai gostar. Sinto muito, mas não dá pra explicar melhor.
Ainda bem, pois se desse, te manjo, você ia sair contando pra todo mundo e ia
virar guru ou beato ou outras bobagens cujas, definitivamente, não seriam o
melhor caminho para meu filho querido.
Percebo
o quanto você sente minha falta. E percebo também que você está indo muito bem
sem mim. Não faz drama! Sei dos sufocos que você tem passado, mas sei também
das alegrias. Então dê mais valor às alegrias e deixa de ser chato. E para
também com essa mania de achar que, só porque estou aqui, tenho poderes
superiores. Não é nada disso. Claro que uma ajudinha, às vezes, a gente pode
negociar. Mas, geralmente, vocês só querem coisas inviáveis. Ou muito difíceis.
Ou, pior, quando pedem coisas simples, não entendem os sinais. A gente bem que
tenta, mas nós temos mais o que fazer, sabia? Ou vocês acham que é só festa,
musiquinha de flauta, todo mundo de branco, imagens desfocadas de lindas
paisagens? Ledo engano.
Lembrei
agora de uma expressão que eu gostava muito: “Ledo e Ivo engano”. Do Stanislaw,
brincando com o Ledo Ivo, estou correto? Aliás, ótima figura o Stanislaw. Temos
compartilhado excelentes realizações. Babou? Eu sei que você sempre foi fã da
fina flor dos Ponte Preta. Mas, pasme, aqui ele é outra configuração.
Organizado, cheio de disciplina... Quem conheceu, até estranha. Quanto ao Ledo
Ivo, acho que ainda está por aí... Não sei, aqui não costumamos nos tratar pelo
nome. Como já te disse, são sensações. Ou algo parecido.
Quero te esclarecer sobre a partida. Não teve dor, só
susto. Muito susto. Aquele caminhão entrando pela frente foi, no mínimo, uma
situação inenarrável. Depois, a adaptação – já entendi que, nesses casos
súbitos, é mais demorada. Pra mim foi complicado. Entendeu agora aquela
aparição “sobrenatural” que eu aprontei depois da missa de sétimo dia? Foi
isso. A adaptação ainda estava difícil. A gente demora um pouco pra entender.
Mas logo ficou tudo bem. Depois que a gente “entra no clima” vai descobrindo
que é muito bom. (Não espalha e não se
empolga. Tudo tem sua hora.)
Foi
chato aquele velório. Não tive oportunidade de deixar o pedido de cremação.
Ainda bem que você sacou que o invólucro não tem nada a ver com a alma. Acabou,
acabou. Mas você bem que podia ter dado uma olhadinha no caixão. Apesar da
trombada eu ainda estava bonitinho.
É
isso.
Se,
realmente, você estiver em Ituiutaba no dia 13 de dezembro (meu aniversário, lembra?) espero que possa sentir a mesma alegria
que eu tinha quando ali vivi.
Sensações,
meu filho, são maravilhosas e inexplicáveis.
Graças
a Deus.
Fico
por aqui. Te cuida e tenta prestar mais atenção nas coisas em geral.
Um
beijo.
Papai.
Meu pai se mandou em 1979.
ResponderExcluirEssa carta foi "psicografada" em 2001 ou 2002, não lembro direito.
E hoje (não tenho a menor ideia do porque) me bateu uma saudade danada dele.
Fica o registro.
É... não deu... morri de chorar!!!
ResponderExcluirNão é pra isso tudo, né, Bogoiô...
ExcluirOu é?
Sensações...muito bom saber disso.
ResponderExcluirAbração, grande Tiago
fernando cals
Valeu, Fernandão!
ExcluirSalve, salve, Tiago! Uau... Carta linda demais! E ótima dica: prestar mais atenção nas coisas em geral. Viu?
ResponderExcluirMais ainda???
ExcluirDesabei de chorar 2! É pra tudo isso sim! E Maria Antonia anda perguntando muito do meu avo Ricardo que virou estrelinha antes deu nascer! Tudo junto
ResponderExcluirÔ povo emotivo...!
ExcluirMuito bonito mesmo.
ResponderExcluirCIDADÃO,
ResponderExcluirBELA PSICOGRAFADA. VOCÊ, REALMENTE, É INSUPERÁVEL.
ABS.,
DÊNIS KLEBER