Segue texto primoroso do Sergio Sayeg - veja mais aqui: http://www.oquedemimsoueu.blogspot.com.br/
cujo, nas palavras do amigo Morici, “cuspiu fogo e pegou pesado”.
E carregado de razão...
Pelo presente instrumento, venho dirigir-me a vossa excelência.
Com minúsculas e na segunda pessoa, pessoa de segunda que és, mauricinho de nariz empertigado. Tu, que te ocultas, sorrateiro, por trás dessa impecável e pretíssima toga escrota. Tu que recebes aprumado a reverência do povo de joelhos à espera de tuas soberanas e irretocáveis decisões peremptórias. Tu que estás imbuído da divina prerrogativa, intransferível e vitalícia, de julgar e decidir o destino dos homens que habitam o mundo dos vivos, já que o dos mortos foge à tua jurisprudência, instância suprema à do teu supremo. Embora nutras anseios em manter paridade e equiparação divina com Aquele que exerce tal competência. Tu, cordeiro em pele d’urso, que reclamas indignamente indignado por direitos inalienáveis e vives na intimidade inescrutável da tua vida privada de práticas inconfessáveis. Tu mesmo, nobre calhorda, que de tanto exercer o ofício de julgar os outros, julgas-te acima dos outros.
Com minúsculas e na segunda pessoa, pessoa de segunda que és, mauricinho de nariz empertigado. Tu, que te ocultas, sorrateiro, por trás dessa impecável e pretíssima toga escrota. Tu que recebes aprumado a reverência do povo de joelhos à espera de tuas soberanas e irretocáveis decisões peremptórias. Tu que estás imbuído da divina prerrogativa, intransferível e vitalícia, de julgar e decidir o destino dos homens que habitam o mundo dos vivos, já que o dos mortos foge à tua jurisprudência, instância suprema à do teu supremo. Embora nutras anseios em manter paridade e equiparação divina com Aquele que exerce tal competência. Tu, cordeiro em pele d’urso, que reclamas indignamente indignado por direitos inalienáveis e vives na intimidade inescrutável da tua vida privada de práticas inconfessáveis. Tu mesmo, nobre calhorda, que de tanto exercer o ofício de julgar os outros, julgas-te acima dos outros.
Venho oficiar-te, honorável patife, que há mais retidão e
honra na palavra espontânea e honesta que brota do coração de um humilde
iletrado do que no alfarrábio que sustém tuas áridas, infindáveis, mirabolantes
e ordinárias sentenças. As mesmas que revestes, impávido, em capa dura,
fazendo-as constar com letras douradas dos anais que ostentas nas prateleiras
intermináveis onde expões tua soberba grandiloquência farisaica e tua rocambolesca
sapiência estéril.
Amealhas com vileza recursos tomados do povo injustiçado
para manter intacto esse intrincado e indecifrável sistema, tão inócuo quanto
iníquo, que qualificas cinicamente de Justiça, a fim de cobrir com aura de
magnificência e infalibilidade essa espetaculosa e suntuosa pantomima patética
e embusteira a fim de deixar boquiabertas as legiões dos sem-justiça desse
país, mantendo-os sob o jugo do teu julgar.
Cultivaste esse interminável cipoal de leis, decretos,
normas, códigos, tratados, regimentos, resoluções, regulamentações, pareceres,
dispositivos, medidas provisórias e embargos infringentes, para reservares a ti
próprio o monopólio do conhecimento e das práticas a ti outorgadas (adivinha!)
“por lei”, afastando o povaréu ‘abestado’ de teu demarcado território. Para
que, na mesma medida em que amplias a doutrina do direito, reduzas o primado da
justiça.
A chave de tua inoperância chama-se prazo. Consideraste,
eminente pulha, que, após décadas de espera, a sentença já foi dada,
independente do transitado em julgado? Abstrais, emérito canalha, a variável
tempo sob presunção de que o tempo é uma mera ‘questão de tempo’. Adias,
protelas, procrastinas, prorrogas, retardas, demoras, protrais, diferes,
pospões, alongas, espichas, espacejas, alastras, esticas, dilatas, intervalas,
encompridas, acresces, amplias, expandes, empurras com a barriga. Pois, então,
devo informar-te, distinto safardana, que quem aguarda por anos, seja nutrindo
a raiva da privação de benesses não fruídas, seja gozando do deleite de penas
não cumpridas, já é repositório da sentença, seja esta qual for. Em meio a
tantos réus, jurados e testemunhas, apenas um deve ser declarado culpado em
todas as instâncias: tu, criatura ignóbil.
Sai da tocaia, egrégio velhaco. Desce desse palácio de
letras, capítulos, parágrafos, alíneas, incisos, caputs e cláusulas em que te
enclausuras. Cumpre salientar, excelentíssimo pústula, que as ruas, caso não observes
do palácio que construíste, sem decurso de prazo, para te isolares da realidade
de fato e de direito, estão repletas de malfeitores que pomposamente livrastes das
masmorras. Não por um sentimento benevolente de perdão ou por uma crença
abnegada no poder de recuperação humana, mas por um displicente pragmatismo
jurídico. Delinquentes de toda a espécie a quem remistes da pena, hoje libertos
de punição, em uníssono, zombam, sob tua retumbante indiferença, dos tolos que
se pautam em princípios e honradez.
Vivem os justos à margem das formalidades legais que queres
agrilhoar a cada cidadão, a fim de emparelhares todos pelo mesmo nível de
calhordice que imaginas sermos, por natureza, dotados. Por certo, espelhando
tua maneira de te comportar e de enxergares os homens para necessitarem de tua
mediadora e interesseira presença, seu justiceiro de araque?
Sob o manto do teu garganteado ‘estado de direito’, canalhas,
corruptos, patifes, ladrões de todas as espécies ascenderam aos postos de
direção com a tua serena condescendência. Mais: com a tua cruel cumplicidade.
São estes que tratas com a mais alta leniência, amparando-os com a força
irrefutável da lei, draconiana indulgência e intolerância zero. Cobrindo a
impunidade com o manto legalista da imunidade.
De quem é a culpa? “Dos legisladores, do governo, da
polícia, da falta de juízes, da falta de vagas no sistema prisional, da falta
de investimento, da má distribuição da renda, do desemprego, da falta de
políticas públicas, dos baixos salários, da alta dos juros, do neoliberalismo,
da crise do euro, da colonização portuguesa, da gripe suína, do derretimento
das calotas polares”, bradas indignado. Tu, homo vermis, és o único triplamente
qualificado como “not guilty” nessa história. Justo tu! “Por falta de provas”,
provas.
Todo teu empenho é de não punir. Inocentes ou culpados,
pouco importa. ‘In dubio pro reo’, desde que teus honorários sejam quitados ‘in
specie’ com correção, exatidão, integridade e... justiça.
E assim, por todos os pretextos, vais libertando das grades
todos os poderosos tubarões, reservando os horrores dos calabouços aos
despossuídos que não participam do pecúlio que sustenta a devassidão moral que
apadrinhas, consagrando esse país como o paraíso da impunidade.
Deixa de hipocrisia. A quem pretendes enganar dizendo que és
a fonte da Justiça? Teu ofício é apenas advogar em prol de vermes, devolvendo-lhes
em serviços pérfidos o peso do ouro que repassam a teus confrades. A justiça é
o contrário de ti. É tornar o mundo humano, decente, com as pessoas podendo se
olhar de frente, confiando umas nas outras. Prescindindo de teus sórdidos
préstimos.
Justiça seja feita: quem te sustenta, respeitável biltre,
são apenas os safados. Os fora-da-lei que, por fora da lei, julgas. Crápulas
que, dispensando nobres considerações morais, estudam teus intrincados
preceitos e se formam doutores para assimilar os meios legais, penais,
constitucionais e amorais de permanecer impunes e qualificarem-se a ingressar
em tuas rodinhas infames. Partilharem do papo do cafezinho do fórum. Onde,
restritas às indevassáveis paredes que os protegem, rolam torpezas
inimagináveis. Tornam-se teus amigos e cupinchas. Uma corporação fechada de
rábulas parasitas. Justamente!
Os princípios de retidão e civilidade estão dentro de nós (e
fora de ti). Num mundo de justos, tua justiça não se ajusta. Gente honrada
entende-se entre si, sem necessitar da tua protocolar intermediação. Bastam os
princípios. Quem carece de lei são os que dela vivem à margem. Se para os
honrados, é desnecessária e para os bandidos, ineficaz, para os da escória que
integras, é verba no bolso.
Data vênia, vai pro quinto dos infernos.
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