sábado, 28 de novembro de 2009

SOZINHO


Rosivaldo tinha todos os problemas que todos temos e mais um: o nome. Talvez por isso, tenha sido sempre bem sucedido. Afinal, quem carrega um rosivaldo ou se torna vitorioso ou fracassa logo de cara. O nosso Rosivaldo era do time dos vitoriosos. Mas, como ninguém é rosivaldo impunemente, suas idiossincrasias também eram fortes. A mais recente e interessante era a mania de querer ficar sozinho. Não era simples. Rosivaldo almejava a solidão total, real, absoluta. No boteco com os amigos, num belo e alcoólico fim de tarde, inadvertidamente soltou na mesa seu atual desejo mais secreto.
-Eu queria mesmo era ficar sozinho.
-Pô, Rosivaldo, que história é essa, a companhia não tá agradando?
-Não é isso, é que eu queria ficar com-ple-ta-men-te sozinho.
-Mas cara, você mora sozinho!
-Mas nunca fico sozinho.
-Êêê, olha só o rei das desamparadas!
-Não é nada disso, estou falando de ficar realmente sozinho!
-Então vai pro Saara e não chateia! (Feito pelo Lemos, este último e infeliz comentário embutia uma bronca antiga. Na verdade, era inveja o que o Lemos nutria, pois o Rosivaldo de ruim só tinha o nome. De resto, gostava dos amigos, era bonitão, fazia sucesso com as “desamparadas” de todos os tipos, tinha dinheiro e aproveitava, com a sabedoria dos que passaram de quarenta e tal, o dinheiro que tinha.)

E ele não deixou passar: -Pô, vai dizer que vocês não têm desejos complicados? Você não, Lemos. Eu sei que seu sonho é brochar gloriosamente numa orgia com seis mulheres e um poodle histérico...
Gargalhadas, gritaria, Dá mais chooopp, Esse Rosivaldo...! O Lemos fechou a cara, mas não podendo manter a carranca com as risadas gerais, fez de bobo.

Instado a melhor se explicar, Rosivaldo bem que tentou:
-Sozinho, mas sozinho mesmo! Sem ninguém pra me escutar, me ver, nada. Só por um tempo, pra ver como é que acontece.
-Mas, sério, na sua casa você não fica sozinho?
-De jeito nenhum. Tem zoeira, telefone, tem vizinho, tem gente que me olha pela janela, não há como ficar sozinho em casa.
-Então vai pra uma montanha!
-Não funciona, você escolhe a trilha mais difícil, chega cansadão lá em cima e, é fatal, vai encontrar um monte de eco-chatos pentelhando a sua vida e a natureza em geral.
-Praia deserta?
-Não existe praia deserta, sempre tem uma galerinha que aparece ou pelada ou fumando bagulho ou os dois.
-Pô, é difícil mesmo...
-Tô falando...

Surubim, que tinha esse apelido não por possuir qualquer dom de pescador, mas por sua discreta predileção por festinhas adolescentes, sugeriu uma ilha.
-Ainda existem ilhas desertas.
-Éééé, ilha é uma boa, RosivaldÔ!
-Já tentei. Aluguei um barco e fui pro sul da Bahia. Cheguei na ilha indicada e, além de muita sujeira e um mau-cheiro do cão, em quinze minutos apareceu um pescador perguntando se “meu rei” não queria um peixinho na brasa arretado. É muito complicado...

A galera estava levando a sério as intenções solitárias do Rosivaldo e, embalados por quantidades industriais de chopp e batatinhas, o papo seguia sem pé nem cabeça como convém a uma boa conversa de botequim.
O Lemos, tentando ser sutil, sugeriu turismo interplanetário. Não era o dia dele.

Quietinho desde cedo, Tadeu compareceu: -Vai pra Brasília, pega um helicóptero e voa baixo pra dentro do planalto. Fica de olho, vai controlando. Umas duas horas depois que passar a última pedra pichada de Casas Pernambucanas, você manda parar. Desce, o helicóptero vai embora e pronto: você tá fudido, mas sozinhão!
Aplausos, bateção de copos na mesa, É-IssaÍ, êêÊÊ, Dá-lhe Tadeu! Rosivaldo riu junto, a conversa se desdobrou pelas questões fundamentais próprias das sextas-feiras e seguiu a vida.

Quinze dias depois, no mesmo boteco, todos se encontram novamente e, claro, ninguém se lembra muito assim como direi lá que bem do que rolou no último encontro.
Chega o Rosivaldo, com cara enigmática, e senta. Calado.
Em meio a bobajada de sempre, um, mais sóbrio, levanta a bola:
-E aí Rosivaldo, que cara é essa? -Já conseguiu ficar sozinho?
-É meeesmo! -Diga lá, Rôsi!
Solene, Rosivaldo declara: -Meus amigos, após profundas pesquisas - nas quais vocês foram importantíssimos - concluí que nenhum ser humano pode ficar sozinho porque estamos sempre agregados às nossas múltiplas e inerentes facetas. Aproveito também pra comunicar que estou de partida para Biahraein, no leste da Índia, onde irei buscar e desenvolver meu eu interior a partir da revelação divina de Shivanbagaswidra.
-Ssshhivan-ô-quê???
-Um guru que fiquei conhecendo num seminário alternativo lá em Santa Teresa.

Dois meses depois no boteco, -Quedê o Rosivaldo?
-Recebi um e-mail dele.
Triunfante com a exclusividade, Surubim saca do papel e lê:
“Galera, Biah-sei-lá-o-quê foi porreta. Agora estou em Paris aprofundando minha busca com uma deliciosa seguidora de Shivan-qualquer-coisa. A vida é bela. Semana que vem tô aí.
Abraços, Rosivaldo.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário