sábado, 21 de novembro de 2009

AMOR CORRIQUEIRO


Lizandra conheceu Zé Milton quando já estava cansada de guerra. Divorciada, filhos já grandes o suficiente para chatearem pouco, ela já tinha passado da fase de deslumbramento e estava quieta, vendo a vida andar. O Zé, recém saído de um ajuntamento complicado, estava em plena efervescência. Trabalhava o dia inteiro e caía na noite com entusiasmo juvenil. -“Quando a cabeça está em ordem o corpo acompanha”, explicava a todos que não entendiam a relação inversamente proporcional entre o máximo de disposição e o mínimo de horas dormidas. E tome happy-hour, festinhas, inaugurações, coquetéis, enfim, o que viesse ele encarava.

Aí pintou a Lizandra. Conheceram-se numa festa de aniversário onde ela foi só para apoiar uma amiga que estava interessada no primo do cunhado da aniversariante (coisas que as mulheres fazem dos 8 aos 80 anos). O Zé estava lá porque tinha que estar.

Apartamento pequeno, sala cheia, Dá licença, Ôpa, desculpe o mau jeito, Quer que eu pegue uma bebida pra você? Vinho? Também gosto. Cheio aqui, né? Como é mesmo seu nome? É parente? Também não. Diferente a cor do seu cabelo. Não, não, achei muito legal, sério! Méier? Não é possível, eu também, como nunca nos encontramos? É, devem ser os horários. Também tenho, mas um só. 12. Vejo nos fins de semana, aqueles programas de sempre, futebol, shopping, etc. 21? Pôxa! Foi mãe adolescente? 45? Não parece de jeito nenhum. Você é muito bonita. Eu? 47. Obrigado... a gente faz o que pode.

Daí em diante foram encontros, conversas madrugada a dentro, sexo da melhor qualidade, mesmos gostos, mesmas inseguranças, mesmas reclamações do passado, enfim, tudo o que se espera de um início de romance.
-Sabe o que mais detesto? Mentira.
-É? Eu também.
-Não vejo necessidade de mentira entre duas pessoas que se amam.
-É? Eu também.
-Vamos sempre manter a honestidade, tá?
-Claro, claro.

Passaram a se ver quase todo dia. A Liz (como ele a chamava) estava mais alegre, o Zêmi (como ela o chamava) estava mais calmo.
Entraram na fase da atenção.
-Olha, estou indo tomar uma cerveja com a turma, mas não demoro.
-Fica à vontade querido. Tô te esperando, viu?
-Zêmi, vou ao cinema com a Martinha. Me pega depois?
-Claro, claro.

E passaram para a fase seguinte: o descaso da certeza da relação.
-Pôxa, onde você estava? Porque não ligou?
-Ora, achei que não precisava, você sabe que eu faço ginástica no fim da tarde.
-Mas custava ligar...?

Lógico, chegou o ciúme.
-Zêmizinhô, você não tem mais ninguém, né?
-Deixa de bobagem, Liz.
-Lizandra Gomes (quando vinha o nome todo era porque a coisa estava feia) quem é esse Mauro que te deixou recado? Amigo? Desde quando? E que intimidade é essa?
Amuados, ficavam um tempo prá lá e pra cá até que a paixão falava mais alto e tudo voltava ao normal.

Depois veio o costume, o conhecimento.
-Zêêêêmiii... (Pelo tom de voz e o arrasto do Zêêêêmi ele já levantava e ia pegar um copo d’água porque ela estava lendo e a intensa atividade intelectual dava sede.)
-LizÁ! (Pelo acento no “a” ela já ia pro armário achar as meias que ele nunca sabia onde estavam.)
-Quiriiido... (É almoço de domingo com os pais dela, na certa.)
-Goshshtosinhaaa... (É futebol na hora da novela.)
E assim seguiam exercitando seus códigos como todo casal que se preza.

Hoje as vidas estão assentadas, o Zé Milton de vez em quando apronta uma escapada, mas fica só na cerveja com os amigos, não achando muita graça, pensando em voltar logo pra casa. Chega tarde só pra mostrar uma certa independência e provocar um ciuminho que, segundo ele, é saudável.
A Lizandra, enquanto isso, fica na internet alimentando as fantasias dos quatro namorados virtuais que a conhecem pelo apelido: PDPD24A (Popozuda-Doida-Pra-Dar-24-Anos).
E segue a vida.

2 comentários:

  1. Tiago, está muito bom. Quer dizer que tem uma puta sensibilidade atrás desse jeito meio corrosivo que você joga, né?!

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  2. Matias,
    pra mim, corrosivo é elogio.
    Obrigado e "num some não"!
    Abraço.

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