domingo, 23 de setembro de 2012

CURVAS DE BANGKOK



Paulo Emilio de Medeiros

Dirigir em Bangkok pode ser uma delícia. (Nunca imaginei que fosse dizer isso.)

Na verdade, aqui talvez seja a cidade onde tive maior prazer dirigindo. As razões são várias. A principal, para mim, é a necessidade de buscar espaços - senão você não anda; o que faz do dirigir um jogo, como num parque de diversões.
Apesar disso, o trânsito não é selvagem. Há quase total ausência do som de buzinas, e a maioria dos motoristas é paciente e educada. Mesmo no maior engarrafamento, com o trânsito totalmente parado por quinze minutos, não há ninguém buzinando, abrindo o vidro para reclamar ou acelerando o carro com força. Acho que é um toque de sabedoria budista; de aceitação do que é inevitável naquele momento.
Nada é perfeito... Têm o mau hábito de bloquear cruzamentos; se o sinal está aberto, tendem a ir, mesmo que seja só para andar poucos metros e ficarem engarrafados no meio do cruzamento.

Os motociclistas, por sua vez – há em grande número – são alucinados. Ultrapassam ao mesmo tempo pelos dois lados, mesmo em ruas estreitas de duas mãos. Frequentemente ultrapassam pela esquerda quando vão virar à direita logo depois, e pela direita, quando vão virar à esquerda.

Quanto aos ônibus, às vezes param no ponto na pista do meio, longe do passeio, para deixar e receber passageiros, que então têm que cruzar uma pista para chegar à calçada. Quando isso acontece, os carros que vêm atrás param, deixam os passageiros passarem, e as coisas se resolvem. Ninguém xinga ou faz escândalo.

Outra razão para meu prazer ao dirigir é o traçado das ruas. Bangkok tem grandes avenidas, que fazem quarteirões enormes. Um emaranhado de ruas e ruelas permite o acesso ao interior desses quarteirões. Muitas são sem saída, outras não; a maioria é bem estreita, e algumas são estreitíssimas. Quase nenhuma tem passeio.
Esse traçado urbano faz de Bangkok um mistério permanente, que nunca será desvendado. Se a gente quer escapar dos engarrafamentos nas grandes vias, o jeito é ir por essas ruelas, quando existe essa alternativa. Faço trajetos - sinuosos - desse tipo todo dia, para ir e voltar do trabalho. Aumentam a distância, mas reduzem muito o tempo gasto. Vou me desviando das ocasionais bicicletas e das pessoas a pé que às vezes vão pela rua empurrando carrinhos de vender comida; ou espero com paciência uma oportunidade para ultrapassá-las. E vou tomando cuidado com as motos, que vão se desviando de mim e me ultrapassando.

Olho o que há para ser visto nesse cenário de ruelas: um bando de tailandeses na porta de uma lojinha; um casal idoso que quase todo dia está sentado na parte de trás de uma camionete, em frente a uma loja, olhando a vida passar; ou uma família inteira numa lambreta, a mãe na garupa, um filho entre ela e o pai, e o outro filho em pé na frente do pai.

Viver na Tailândia, para alguém inserido no mundo ocidental, é uma oportunidade de convivência com ideais budistas de vida; e um aprendizado de tolerância e de diferenças culturais.

Bangkok, 23 de setembro de 2555

3 comentários:

  1. A cultura asiática insere no cidadão que o indivíduo é menor que a sociedade, que é apenas ínfima parte dela, e lhe instiga o sentido de convivência coletiva. Já o motorista brasileiro entende os outros veículos e seus ocupantes como intrusos em seu mundo. Aciona a buzina para alertar sobre sua presença dominante, como a dizer: invasores, atentem-se sobre a minha presença!
    Vitor Lemos

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  2. Eu não diria "ínfima" nesse contexto... Acho que o asiático se considera uma parte da sociedade. E não o centro dela, como depreendi do que o Vitor disse bem sobre o motorista brasileiro. E visto a carapuça: no fundo, acho que é assim que eu me vejo no mundo - como um pequeno centrinho dele. No trânsito, um punhado de reizinhos dirigindo complica. Há momentos em que é necessário ser mais coletivo, grupal. Mas há momentos em que a individualidade é positiva. Cada cultura tem seus pontos fortes e fracos. Pegar o melhor de cada uma seria o ideal.

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