terça-feira, 22 de março de 2011

HABEAS PINHO

1955, Campina Grande - Paraíba.
Um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. O grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, recentemente saído da Faculdade e que também apreciava uma boa seresta.
Ele peticionou em Juízo para que fosse liberado o violão. O pedido ficou conhecido como "Habeas Pinho".
Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito Deputado Estadual, Prefeito de Campina Grande, Senador da República, Governador do Estado - quando deu três tiros em Tarcísio Burity por "desavenças políticas". Burity não morreu no incidente e, até agora, ficou tudo por isso mesmo.

Segue a petição:

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola,
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão,
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade,
Ao crime ele nunca se mistura,
Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua,
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo Amor da noite,
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito,
É crime, porventura, o infeliz
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando ali as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento,
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também deferimento.

Ronaldo Cunha Lima, advogado.

O juiz Arthur Moura, sem perder o ponto, deu a sentença no mesmo tom: Para que eu não carregue remorso no coração, Determino que seja entregue ao seu dono, Desde logo, O malfadado violão!

(Essa eu recebi de tanta gente diferente que nem tem como dar crédito de agradecimento.)

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