quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A VIDA COMO ELA É

Era uma vez a Margaridinha.
Bebezinha fofa, caçula, cresceu num lar normal com pai, mãe, irmã e irmão.
Logo cedo aprendeu que podia conseguir as coisas sem muito esforço. Quando criança bastava uma birrinha seguida de choro “sincero” e “sinceros” pedidos de desculpas.

Mais tarde, já adolescente, aprendeu também que era só aprimorar e ajustar suas qualidades às novas situações. Aí, já grande e bonita, era só piscar os olhinhos, tremer o beicinho e fazer carinha de indefesa coitadinha que suas vontades se realizavam. 

Era a perfeita atriz familiar. Graças à constante distribuição de elogios fáceis e tão descaradamente falsos que acabavam soando verdadeiros, além de uma entonação que, aos desatentos, realmente parecia vir do fundo da alma, conseguiu que todos a vissem como “maluquinha”, mas de bom coração.

E com tanta facilidade e a praia logo ali, pra que estudar?
Melhor era se divertir com os muitos amiguinhos que a desfrutavam alegremente formando uma fila que ficou famosa no clube do bairro.

O tempo foi passando, o irmão casou e mudou, a irmã casou e mudou e o pai, que fazia todas as suas (outras) vontades, morreu. Era preciso arranjar outro encosto. A irmã era uma força relativa, o irmão outra, a mãe se debatia tentando fazer com que Margaridinha tomasse um rumo na vida, mas não tinha jeito. Ela não nascera para praticar essas coisas chatas como trabalho, estudo, obrigações, caráter, etc.

Quando precisava de mais dinheiro do que conseguia tirar da mãe ou dos irmãos, arranjava um trampo temporário que a mantivesse num mínimo de vida social. Mais um trambique aqui outro acolá e, quando a coisa apertava, era só fugir para a casa do irmão - que morava em outra cidade - ou contar uma história triste para a irmã ou fazer a cena bem feita para a mãe dar um jeito ou tudo isso junto.

Arrumou um desavisado e, rapidamente, se juntou. Acostumada às alegrias da vida anterior, a adaptação foi difícil. Mas raciocinou que era melhor ficar ali, tomar todas com o eleito, ir à Disney, fazer lipos, plásticas e coisas do gênero (para alimentar as fantasias do marido)
do que voltar à vidinha praiana e clubística.

Um tempo depois do casamento a irmã morreu e, com a mãe em depressão pela perda da filha e o irmão morando longe, Margaridinha teve que cuidar dela. “Ai! É uma barra, viu?”
Inventava tudo que podia para ficar livre dessa tarefa chata e comemorou muito quando o irmão levou a mãe pra cidade dele.

Ocorre que a irmã não teve filhos e deixou uma herança a ser dividida entre a mãe e o viúvo (estranhas leis essas nossas). Não era grande coisa mas, sendo todos da mesma laia, Margaridinha, o marido e o viúvo logo armaram uma arapuca pra dar um golpe na macróbia.
Para azar deles, o irmão, mesmo de longe, sacou a jogada e emperrou a situação não deixando que a mãe assinasse nada.

A primeira estratégia foi tentar vencer o cara pelo cansaço. Conversas com argumentos dos mais estapafúrdios, telefonemas constantes e insistentes, mas ele não cedia e a mãe, ainda lúcida, também não. 

Com o tempo passando, resolveram então partir para os finalmentes. Arrumaram um advogado esperto, enganaram a mãe e o irmão e, na “calada da noite”, conseguiram um juiz que, em tempo recorde, concedeu uma interdição fazendo com que Margaridinha virasse tutora.
Daí era só esperar um tempinho e, como tutora, assinar, pela mãe, tudo o que precisasse ser assinado.

Margaridinha se deu bem, botou mais uma graninha na conta e continua fazendo o papel que sempre fez. Claro que, a cada dia, ela engana menos gente, mas isso não tem importância. Importante é que não falte o “red”, que as plásticas estejam bem feitas e que a Disney esteja sempre lá pra garantir a diversão.
(Apesar de que, nos momentos de devaneio, ela ainda se lembre, com um ligeiro aperto nas partes baixas, da fila do clube.)

E assim termina essa edificante história que me fez lembrar
do Nelson Rodrigues...

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